CooltureNews 22/02/2012
Publicada no www.CooltureNews.com.br
Por: Thiago Ururahy
“E de novo me passou pela cabeça a ideia de que aquela ilha inteira não passava de um grande manicômio para loucos irrecuperáveis.”
Olá senhores(as)(itas). Assumo que eu já estava me sentindo mal por não aparecer com indicações extremamente positivas de leituras para vocês, mas, como sempre depois da tempestade vem a calmaria, resolvi “gastar” um dos meus curingas (trocadilho infame detected) dessa vez.
O livro em questão é “O Dia do Curinga”, de Jostein Gaarder, lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Para quem está pensando eu já ouvi esse nome em algum lugar, trata-se nada mais nada menos do que o autor de “O Mundo de Sofia”, leitura que, na minha humilde opinião, devia ser obrigatória no Ensino Médio de qualquer país democrático. Prometo discorrer minhas opiniões sobre “O Mundo de Sofia” em um futuro próximo, mas hoje vamos nos ater a essa brilhante obra lançada no ano de 1989 (curiosidade: dois anos ANTES de O Mundo de Sofia).
O livro narra a viagem de um guri chamado Hans-Thomas. Ele e seu pai partem de uma cidade portuária da Noruega (terra do autor, aliás), passam pelos Alpes suíços e chegam até a Grécia, a grande pátria dos filósofos (formação do autor, aliás). E a palavra filosofia, principalmente as questões de existencialismo levantadas por Sócrates na Era Antiga, é o melhor resumo do livro. Nada diferente do que podemos ler em “O Mundo de Sofia”, diga-se de passagem. No entanto, eu cessaria as comparações aí... Minto, ainda existe o paralelo entre as cartas de Sofia com o livrinho que Hans-Thomas lê em “O Dia do Curinga”, mas aí sim as comparações terminam.
A partir de agora divido a resenha em dois momentos:
Momento 1. Por que gostar tanto de “O Dia do Curinga”?
O tema central já é perfeito por si só, desde que, é claro, você tenha alguma inclinação para beber na fonte de curiosidade interminável dos filósofos. E aí eu posso lançar outro ponto positivo que é a alegoria tão palatável e facilmente digerível que o autor utiliza para nos apresentar os conceitos aos poucos, envolvendo o leitor na história de tal maneira que, quando você se dá conta, está questionando a origem da existência e o papel que Deus (ou seja lá qual for a força superior que acredite) tem nisso tudo. Seria eu um Curinga? Caso não seja, como eu faço para me tornar um? Foi assim que eu terminei o livro nas duas vezes que o li.
O segundo ponto é a forma utilizada pelo autor para dar voz ao texto. A trama central (viagem de Hans-Thomas) e a trama paralela (história contida no livrinho – e falar mais do que isso é spoiler dos grandes) se interlaçam de maneira tão sutil e brilhante que tratar uma como mais relevante do que a outra é besteira das grandes. E a voz do texto nas partes de Hans-Thomas é infantil e sóbria, com dúvidas normais de uma criança inseridas em um contexto de descoberta e analogias típicas da idade. Lindo de se ler. Permitam-me dizer para prestarem particular atenção no trecho que narra o primeiro dia em que Hans-Thomas e seu pai chegam à Grécia.
Momento 2. Por que “O Dia do Curinga” pode desagradar alguns leitores do século XXI?
Pois é, nem tudo são flores mesmo para uma obra escrita no final da década de 80 (em termos literários, isso é quase “semana passada”). Se em “O Mundo de Sofia” o autor peca nas quebras de ação, em “O Dia do Curinga” os ganchos entre cenas e capítulos só ficam realmente angustiantes do meio para o final do livro. É como se existisse uma longa preparação do cérebro do leitor para absorver a abstração típica da filosofia de Sócrates. E aí você me pergunta: “Mas Thiago, isso é um problema?”. Eu não vejo como um problema pensando em big pictures, mas o leitor formado no final do século XX e começo do século XXI pode se cansar rápido demais. São gerações forjadas no berço de J. K. Rowling e livros de terror psicológico, mestres na arte de praticamente te obrigar a virar as páginas. Jostein Gaarder consegue isso com louvor, mas “cozinha o galo” por um longo tempo até engatar de vez. Talvez isso afaste os leitores que não beberam tanto da fonte de livros mais clássicos. No entanto, fica a minha humilde dica: segure firme e prenda-se na linda narrativa de Hans-Thomas até que a história contada pelo livrinho que o garoto carrega torne-se inebriante demais para te afastar da leitura.
Livro mais do que indicado! Leia, questione-se e pense. Se ficarmos todos nós um passo mais loucos, quem sabe o mundo não melhora?
“O fato é que você também é uma criatura de duas pernas que vive andando daqui para lá num globo que vagueia pelo universo.”
PS: Quando comentei sobre o livro no meu twitter (@T_Ururahy), citei que eu tinha uma relação bizarra com a obra. Explico: adquiri o meu exemplar de “O Dia do Curinga” em um sebo no centro de São Paulo. Eu havia entrado no local apenas para pedir informações sobre onde comprar pilhas recarregáveis e o vendedor me convenceu a levar o livro por 5 reais. Detalhe relevante: ele era anão. Quem leu o livro entenderá meu espanto ao terminar de ler “O Dia do Curinga”.
PS2: Lembrando que a partir de hoje você podem entrar em contato comigo tanto pelo twitter quanto pelo e-mail thiago@coolturenews.com.br, mas eu vou ficar mais feliz ainda se vocês comentarem as resenhas aqui no site mesmo. =)