Renata1004 31/07/2020
"O Romance é o diário de um universo obsolescente colhido pela via humorística da autoexibição" - Alfredo Bosi
Na Obra " A Consciência de Zeno", livro em que o personagem narra as memórias da sua vida, das quais são contadas como plano de fundo. São escritas, e assim destacadas da sua consciência, o auto julgamento e juízo de valor sobre as suas ações, pensamentos, intenções e decisões de forma jocosa e hilária. Sem se desviar do propósito que guiou o personagem a escrever sua própria narrativa: o vício do fumo.
No Romance de Ettore Schmitz, ou Italo Svevo como é conhecido, o personagem Zeno Cosini se afirma como um doente, viciado pelo fumo, e incapaz de largar o hábito. Que constantemente se designa a deixar. Anotando em seu diário datas definidas como o "último dia do uso do cigarro".
Esta biografia do personagem foi inusitadamente incentivada pelo seu psicanalista. Que por vingança à Zeno, pelo fato de este abandonar o "tratamento", (ponho essa palavra em aspas, consoante a crítica narrativa acerca da psicanálise, e da sociedade em geral, da qual o livro abarca, e da qual explicarei adiante) publica seu manuscrito com expectativa de que Cosini, volte às suas consultas, mesmo depois de este receber o veredicto de "curado" pelo próprio médico.
Em sua biografia, Zeno divide as experiências da sua vida em 7 partes, tirando o prefácio do qual o próprio psicanalista se encarrega de escrever. Eis tais capítulos: O primeiro é o "Preâmbulo", em que Zeno aborda e descreve memórias da sua infância, à luz da sua consciência. No segundo, "O Fumo", Zeno inicia a narrativa de como começou sua trajetória com o vício. Nesta tem a participação de memórias sobre o pai do personagem, com o qual tem uma relação afetuosa porém distante, das quais são descritas de forma irônica e sempre autocritica. Em seguida o capítulo " A Morte de Meu Pai", no qual Zeno descreve os seus últimos momentos com o pai, este que se despede de sua vida ao filho, da forma mais hilária possível. ( eu ri muito com a cena descrita ). Na quarta parte, o protagonista conta a história do seu casamento. Em que conheceu a família Malfenti: seu Giovanni, esposa, e suas quatro filhas. Que dentre estas, Zeno escolhe para casar, ou melhor, é escolhido, visto que em seu anseio pelas duas filhas, bem afeiçoadas de seu amigo Giovanni: Ada e Alberta , se atropela em suas próprias decisões, e da forma mais hesitante e aleatória, é escolhido por Augusta a segunda filha mais velha.
Nos capítulos posteriores, Zeno Cosini, aborda acerca da sua relação com sua esposa e amante. Seu envolvimento comercial com Guido: cunhado, amigo, e rival pelo qual, Zeno é convidado a estabelecer uma sociedade comercial. E por fim, o mesmo descreve suas experiências e suas opiniões pessoais, acerca da Psicanálise, esta que o levou a narrar fatos da sua própria vida, e que o fez fazer reflexões, da bondade ou maldade inerentes a si próprio, a partir da análise de sua consciência e memória.
A obra como já dita antes, é basicamente hilária, em algumas partes. Visto que Zeno, se analisa e se percebe, em suas memórias, como um doente. Mesmo já tendo visitado um médico e comprovado sua sanidade. Desta forma, ao longo da sua vida, segue-se Inventado doenças. Sendo considerado por si mesmo, alguém dominado pelo fumo, e intoxicado. E como um último acesso de designação a abandonar o vício, busca ainda na velhice consultas ao psicanalista.
A partir da narração do protagonista, podemos perceber o quão dissimulado, volúvel, frágil e desiludido Zeno é. Ao longo da sua vida o personagem descreve ações, intenções e decisões que são avaliadas pela sua própria consciência e que são atribuídas, por si mesmo, à sua fraqueza de espírito, porém, a partir de seu estilo de vida. O autor, ao final da obra, nos traz alguns questionamentos, acerca da vida, da mente humana, e do seu comportamento. Afinal, tudo é doença?
Após receber a cura do dito médico, é incentivado por ele, a passar por um processo de reeducação. Neste último procedimento, Cosini, já não acreditava mas no profissional, que após afirmar sua cura, disse-lhe, que a doença e a cura, eram basicamente coisa da mente, e em quê Zeno acreditasse, assim aconteceria. Com cômica revolta, o fumante afirma: " No entanto o idiota nem sempre me tratou como se estivesse intoxicado. A prova está inclusive na reeducação preconizada por ele para curar-me da doença que atribuía ao fumo. Eis as suas palavras: o fumo não me fazia mal e, se me convencesse que era inócuo ele realmente passaria a sê-lo."
Para este, a psicanálise se tornou basicamente, uma piada auto dita. E em sua biografia seu senso crítico sobre si mesmo,em que se pergunta já em sua velhice, sobre a moral e da bondade ou maldade inerente a seu ser. Sua forma infantilizada, e suas reflexões sobre sua própria consciência, nos faz rever o comportamento humano, com outros olhos. Não pelos comportamentos predeterminados como bons, pela civilização. Mas por um humano tão atual, e cheio de erros, que é o persona protagonizado por Zeno Cosine, do qual o autor se utiliza para trazer um senso de reflexão, não apenas da psicanálise, mas a comportamentos humanos desde a sociedade da época. Que nos limita, e nos enquadra, a uma constante evolução: da inteligência e do uso de artifícios, que objetivam nos "melhorar".
Diante de suas reflexões, Zeno afirma:
" A vida assemelha-se um pouco à enfermidade, à medida que procede por crises e deslizes e tem seus altos e baixos cotidianos. À diferença das outras moléstias, a vida é sempre mortal. Não admite tratamento. Seria como querer tapar os orifícios que temos no corpo, imaginando que sejam feridas. No fim da cura estaremos sufocados."
"...Qualquer esforço de restabelecer a saúde será em vão. Esta só poderá pertencer ao animal que conhece apenas o progresso de seu próprio organismo. Desde o momento em que a andorinha compreendeu que para ela não havia vida possível senão emigrando, o músculo que move as suas asas engrossou-se, tornando-se parte mais considerável do seu corpo. ...Desconhecemos as transformações por que passaram alguns outros animais, mas elas certamente existiram e nunca lhes puseram em risco a saúde." (Neste trecho, percebemos a tendência ao Lamarckismo da época).
" O homem, porém, este animal de óculos, ao contrário, inventa artefatos alheios ao seu corpo, e se há nobreza e valor em quem os inventa, quase sempre faltam a quem os usa. Os artefatos, se compram, se vendem, se roubam e o homem se torna cada vez mais astuto e fraco ( A consciência de Zeno, p. 390-391)."
" Mas que psicanálise, que nada! Sob a lei do possuidor do maior número de engenhos mecânicos, continuarão a prosperar doenças e doentes (La Conscienza dí Zeno, p. 519)."