Jackie 05/01/2019
Mas tal ensinamento não deve ser passado ao mundano, ao ímpio, tampouco aquele que não quer ouvir...
“Mas tal ensinamento não deve ser passado ao mundano, ao ímpio, tampouco aquele que não quer ouvir, ou aquele que não me tem em boa medida. Deixa que vivam como acharem melhor.
No entanto, aquele que divulgar esta sublime canção entre aqueles devotos que já caminham em minha direção por sua própria vontade, estará cumprindo o maior dos serviços devocionais.”
O Bhagavad Gita é um livro essencial mesmo para quem não professa fé alguma, pois alguns de seus ensinamentos valem para todos, além do fato de ser uma obra que agrega muita bagagem cultural. Mais conhecido no Oriente, uma vez que sua terra de origem é a Índia, essa obra provavelmente foi escrita entre os séculos V e II a. C., em sânscrito, um idioma que faz parte de um conjunto de 23 línguas oficiais da Índia atualmente.
O livro é um trecho da epopeia hindu, o Mahabharata, que descreve o conflito entre dois grupos que possuem laços familiares, o dos Pandavas e o dos Kuravas/Kurus, ambos com o objetivo de conquistar a terra de Hastinapura. O livro é basicamente uma conversa entre Arjuna, dos Pandavas, e Krishna, o Deus Supremo, personificado em seu cocheiro.
A conversa entre Krishna e Arjuna é relatada a Dhritarashtra - o rei cego pai dos Kurus - por Sanjaya, seu cocheiro. O dilema de Arjuna é como lutar contra membros de sua própria família. Krishna explica a Arjuna porque ele deve agir e com isso revela os segredos do mundo transcendental. No plano mítico esse conflito se trata de uma guerra psicológica, pois procura nos fazer notar quem são nosso Kuravas e nossos Pandavas, ou seja, nossos pensamentos materialistas e nossos pensamentos espirituais ou nossos defeitos e virtudes, respectivamente.
Como o livro defende a existência da reencarnação e a “vida” após a morte, muitos das passagens não interessam a quem não possui essa crença. E muitos trechos atingem quem não tem fé, que chegam a parecer uma ameaça:
“Os irracionais e os de pouca ou nenhuma fé se exaurem antes mesmo de haver encontrado o início da trilha que conduz a paz. Assim, descrentes de tudo, eles não são capazes de alcançar a felicidade, tampouco a paz, nem neste mundo nem nos demais.”
“[...] algumas características dos seres que andam em círculos, e não conseguem se aproximar do meu refúgio: hipocrisia, arrogância, orgulho, aspereza, brutalidade e ignorância; [...] neles [nos incrédulos, ignorantes] não há pureza, nem moralidade, tampouco sinceridade.” (essa e diversas outras passagens que hoje, ainda mais com o ateísmo em crescimento, são vistas como absurdas.)
No entanto, dentre as diversas falas de Krishna, destaco aqui as que mais me chamaram a atenção e considero uma sabedoria válida para todos:
“Todas essas sensações são transitórias e impermanentes. Dessa forma, devemos aprender a suportá-las sem nos apegarmos a elas”
“... não se lamente em demasia sobre o que é inevitável”
“Um trabalhador altruísta, desinteressado dos resultados de seu trabalho, porém alegre em simplesmente poder realizar a determinação da natureza, jamais perderá tal alegria.
Aquele que, pelo contrário, trabalha somente pensando em apreciar os frutos de seu esforço, está condenado a uma alegria pobre e passageira.”
“... devemos nos libertar dos pares de opostos, procurando estar sempre tranquilos e serenos, e ignorar os pensamentos de aquisição e preservação dos bens materiais.”
“... seja um obreiro que pensa antes no bem do mundo do que em si próprio”
“... sem autoconhecimento não há paz, e sem paz não é possível haver a verdadeira felicidade.”
“Ao servir e ajudar seus irmãos e irmãs, todos irão prosperar juntos. O serviço altruísta preencherá todos os seus desejos.”
“Aquele que se abstém de ajudar no giro desta roda da natureza através do serviço altruísta (Seva), e se deleita somente com seus próprios prazeres egoístas, este em verdade vive em vão.”
“... para [um] ser auto realizado nenhum trabalho e nenhuma ação são um sacrifício.”
“É pelo exemplo dos grandes líderes que a sociedade avança.”
“A natureza é como é, e tudo decorre das relações de ação e reação neste mundo.” (O segredo aqui é saber como ela funciona para aprendermos a viver melhor)
“... [a mente] é amiga daqueles que exercem controle sobre ela, e inimiga daqueles incapazes de domesticá-la.”
“Os seres deste mundo vivem na ignorância devido à ilusão dos pares de opostos (...) Há alguns poucos que conseguiram se libertar desta ilusão de dualidade e de contraste entre os opostos” (Quantas pessoas não deveriam compreender isso! Em um mundo de extremismos, o entendimento dessa passagem é essencial.)
“... o fruto das ações dominadas pelas paixões é somente a dor”
“Elas [a natureza material] estão apenas agindo conforme a sua natureza.” (Não devemos achar que tudo é ruim/mal, mas que é de sua natureza ter determinadas características.)
“... jamais ignore o conselho daqueles que já trilharam tal jornada há muito tempo”
“Aquele que segue em seu caminho com fé e perseverança, passo após passo, pode percorrer distâncias inimagináveis!”
“É preferível cumprir o próprio dever, ainda que pareça inferior, do que se meter a cumprir o dever alheio, ainda que pareça superior.”
“Vivendo na solidão silenciosa de si mesmo, sendo leve no comer, no beber e no falar, com o corpo e a alma disciplinados pela meditação constante, cultivando o desapego em todos os momentos, ele segue em minha direção. (se você não tem fé, pode entender como “ir em direção a paz”.)
Finalmente, banindo de seus pensamentos todo o egoísmo, todo o orgulho, toda a luxúria, toda a violência, todo o ódio e toda a angústia e da mesma forma, toda e qualquer ideia de posse, até onde as palavras “eu” e “meu” já não carreguem mais sentido algum, ele chegará a porta do meu refúgio, e ela estará aberta!”
Esta obra entrará para o rol de livros que irei reler um dia, mas da próxima vez procurarei de outro tradutor para verificar se há diferenças. Como não conheço outras edições, no momento a considero de fácil leitura e com boas notas explicativas, o que contribui muito para o entendimento. Recomendo para quem irá ler a obra pela primeira vez.
Mais sobre o Mahabharata e o Bhagavad Gita:
Bhagavad Gita - Comentários filosóficos sobre o livro sagrado indiano (Nova Acrópole): https://www.youtube.com/watch?v=FYqJ5fwR4Ps
Peter Brook's The Mahabharata: https://www.youtube.com/watch?v=yhqkRGISQr8
https://www.youtube.com/watch?v=EENh1hxkD6E
https://www.youtube.com/watch?v=dVgBkfNu7k0
Mahabharat Full episode Part 1:
https://www.youtube.com/watch?v=1fxwSd0AhEk&feature=youtu.be