Ludmila.Andrade 21/11/2020
Um feminismo decolonial, Françoise Vergès
Esse livro é curtinho mas de uma complexidade e importância incrível. Publicado na França em 2019 e aqui, pela Ubu editora em abril desse ano. Ele é intruso na nossa lista como o manifesto do feminismo para os 99%. E fez todo sentido junto ao percurso de leituras da história das mulheres e dos movimentos feministas que tentamos desvendar nos nossos debates.
Eu nem sei se consigo trazer aqui palavras que expressem a importância desse livro pra mim, que desde a faculdade, tento compreender a opressão racializada, as dimensões de poder que determinam a hierarquia calcada nos padrões da branquitude binário generificada. Fiquei estarrecida demais com a clareza da abordagem dela e a capacidade de sintetização do essencial. Que ao meu ver é combate a hegemonia do discurso, da mentalidade colonialista para a possibilidade de um feminismo decolonial.
É preciso mencionar que mesmo estudando por anos práticas de uma educação antirracista e antissexista, muitas das determinações e sobredeterminações que compõem a manutenção da reprodução dessas estruturas não me foram desnudadas com facilidade e sempre me causaram angustia e raiva por total incompreensão da lógica do sistema. E muito provavelmente, ainda me falte muito a compreender.
Achei ele essencial principalmente por ser direto no quesito da idealização das relações sociais trazido pelo feminismo difundido atualmente. Como sou profissional da educação, devo dizer que penso que, o messianismo da educação obscurece ainda mais nossa capacidade apreensão da realidade. Junto a isso, a deficiência de nossa formação sociológica, filosófica. A muito a caminhar. Paulo Freire sabia disso, talvez por isso tenha sido tão rechaçado pelo conservadorismo reacionário que assola nosso país.
Vale destacar aqui alguns pontos trazidos por ela. A invisibilidade do trabalho do cuidado, o trabalho doméstico racializado. A reprodução social na manutenção do sistema. O feminismo civilizatório cooptado pela lógica do capital. A estigmatização das mulheres muçulmanas, islamofobia. Inúmeros são os exemplos e dados trazidos por ela para discutir o aprofundamento dessa corrente civilizatória pelo "direito das mulheres" que subverte a libertação da opressão sexista de uma cultura para torná-las escravas de um sistema neoliberal.
Também achei importante a referência a narrativa que constrói "heróis", retirando algumas figuras icônicas na luta antirracista deslocando de sua militância comunitária e ligação com a esquerda radical, como Rosa Parks, transformando-as em símbolos branqueados. A possibilidade de qualquer existência, desde que ela seja comercializável. Cooptação das pautas. Enfim, são muitos pontos que o tornam uma leitura imprescindível!
Ando pensando que nada mais urgente nos últimos tempos que a politização dos debates, o resgate da práxis revolucionária.