Craotchky 12/05/2024...a aproximação se faz gradualmente...Ao longo dos últimos meses tive o privilégio de adentrar na intimidade da escritora que mais me instiga e provoca. Todas as cartas de Clarice foi o livro, considerando volume único, que mais tempo demorei a concluir até hoje. Foram mais de quatro meses penetrando na intimidade da autora. Ao longo da leitura, senti que fui estreitando meus laços com Clarice ao conviver com ela. Durante esse tempo, tive a felicidade de compartilhar vários trechos valiosos através dos 27 históricos salvos. Porém, há elementos que me chamaram atenção dos quais não falei. Neste texto pretendo comentá-los.
Mesmo que não seja no exato sentido que a autora inglesa falava, de alguma maneira Clarice teve, ao menos durante uma década e meia de casamento, um teto todo seu. Ao longo de praticamente todo o matrimônio, Clarice parece contar, para não dizer sentir a necessidade, de uma empregada doméstica. Em determinados espaços curtos de tempo, quando por algum motivo ela fica sem empregada, Clarice se mostra muito angustiada e com enorme pressa para ocupar o lugar vago. O que quero dizer é que fiquei com a forte impressão de que Clarice era um tanto quanto dependente de empregadas, inclusive uma dedicada aos seus filhos.
É notável o quanto Clarice adora o Brasil. Impressiona o número de vezes em que ela manifesta, ou um desejo expressivo de voltar para o nosso país, ou a intensa ojeriza geral que os países nos quais ela viveu lhe causam. Não poucas vezes todo esse período que morou no exterior (mais de 15 anos) é definido por ela mesma como um exílio. Curiosamente, não fosse esse enorme tempo fora do país, talvez esse volume fosse bem menor, uma vez que, aproximadamente, Todas as cartas tem 61 missivas escritas no brasil contra 225 escritas no exterior.
Chega a dar um pouco de pena o quanto Clarice diversas vezes implora por cartas em resposta às suas, sobretudo para as irmãs; ela chega a se desculpar por pedir repetidamente. É clara e manifesta a carência de contato humano que ela sente principalmente enquanto vive no exterior. Outra maneira através da qual ela manifesta essa carência afetiva de contato com as pessoas que deixou no Brasil é a intensa felicidade quando finalmente recebe cartas. Em 19 de março de 1945 ela escreve para a irmã Elisa: "Não há no mundo coisa melhor do que carta."
Interessante observar que, de volta ao Brasil, conforme o telefone foi se tornando mais comum e disseminado, o número das correspondências de Clarice foi diminuindo. Torna-se evidente que Clarice vai aos poucos adotando o telefone como outra maneira de comunicação (inclusive, em mais de uma carta ela diz seu número. Sim! Eu tenho o número de telefone particular de Clarice! hehehehhe) A diferença quantitativa de cartas das décadas de 40 e 50 é várias vezes superior à de cartas das décadas de 60 e 70. Em compensação, nestas duas últimas décadas, o número de crônicas da autora aumenta exponencialmente.
Por último quero aqui transmitir o importante esclarecimento que o posfácio da edição traz: O título "Todas as cartas" não deve ser levado ao pé da letra. Esse título nomeia o volume para se inserir no projeto editorial que inclui os livros "Todos os contos" e "Todas as crônicas". O posfácio deixa claro que, cartas foram omitidas do volume:
ora porque o comitê editorial entendeu que eram pouco representativas e portanto dispensáveis;
ora porque traziam conteúdos de juízo pessoal a respeito de pessoas da família;
ora porque muitas cartas de Clarice ainda não foram descobertas. E por conta disso, o posfácio encerra prevendo que haverão reedições que incorporarão possíveis cartas que se revelarão no futuro.