Laiza 05/04/2021
A Cachorra - Pilar Quintana
Damaris é uma mulher que sempre sonhou em ser mãe. Sua dificuldade em engravidar é uma condição com a qual sofreu a vida toda, e que instabiliza seu casamento com Rogélio. Agora com 40 anos, idade em que uma mulher "seca", Damaris já não tem mais esperanças de se tornar mãe. Um certo dia, decide adotar uma cachorra da ninhada da vizinha, que recebe o nome de Chirli, o nome que daria a filha que não teve. Aos poucos, Chirli preenche a dor de Damaris de não ter tido filhos próprios, mas sua chegada é intensa. Damaris já não consegue dizer se Chirli chegou para dar um novo rumo a sua vida ou se para desestabilizá-la de vez.
"Nesse dia Luzmila estava de bom humor e só quisera lhe fazer um elogio, mas em Damaris doem até a medula perceber que ela, e certamente o mundo inteiro, dava o seu caso como perdido, e estava mesmo perdido, ela sabia disso, mas era difícil aceitar". Página 30
A Cachorra é um livro intenso e brutal, com uma narrativa fácil, direta e crua. É aquele tipo de livro que carrega consigo toda a atmosfera triste e dura da vida da personagem, e que consegue transpassar esses sentimentos ao longo de toda a leitura. A narrativa é em terceira pessoa, então há um desmembramento de todos os sentimentos e angústias de Damaris, construindo seu psicológico e personalidade ao longo das páginas.
"Damaris não chorou mais pela cachorra, mas sua ausência lhe doía o peito como se fosse uma pedra". Página 79
A história demonstra de forma real - e até mesmo cruel - o cotidiano de Damaris, e a pobreza e a violência que a rodeiam, e como isso impacta na vida e no emocional da personagem. A sensação que a leitura nos dá é de que seguramos uma bomba que está prestes a explodir, e a vida de Damaris, marcada por tragédias e descasos, segue em um uma bolha de relações e aceitações, que será estourada com a chegada de Chirli.
"Sentia que a vida era como a angra e que ela precisava atravessá-la caminhando com os pés enterrados no barro e a água até a cintura, sozinha, completamente só, em um corpo que não lhe dava filhos e só servia para quebrar as coisas" Página 105
A personagem tenta, mas não se conforma com a sua esterilidade, e sentimos a sua solidão e a dificuldade que é para ela o vazio de uma vida sem filhos. A relação entre Damaris e Chirli é uma experiência nova, e sentimentos e instintos antes nunca sentidos virão à tona pela primeira vez de forma abrupta e violenta. Essas novas emoções, esses novos laços construídos - não apenas com a cachorra, mas com todos-, vão se intensificando ao longo das páginas, e afloram lembranças e reflexões sobre o passado de Damaris. Essas voltas ao passados em alguns momentos são cansativas, mas elas são fundamentais na construção e no entendimento da própria personagem, de suas limitações e de suas dificuldades.
"Também pensou que era merecedora de todos os olhares das pessoas, de todas as suspeitas e acusações (...)." Página 143
Não é uma leitura fácil. É uma história cruel, violenta, intensa e sofrida. Mas também é um reflexo da vida e das condições - tanto sociais quando psicológicas - de Damaris e também um reflexo de sua consciência. Damaris se sente sozinha e sem propósito, e acredita que merece viver assim. A chegada de Chirli é um ponto conflitante e Damaris impõe na cachorra as vontades e sentimentos que guardou durante anos.
Essa leitura foi muito marcante para mim, pois algumas reflexões conseguiram me atingir profundamente, devido a experiências pessoais minhas. Não é uma leitura que irá agradar todos os leitores, pois se centraliza mais na condução psicológica, emocional de Damaris e no seu cotidiano doméstico. Eu mesma senti que cheguei à história com muitas expectativas, e em alguns momentos o desenvolvimento é um pouco lento de fato. Mas continua sendo uma leitura riquíssima que explora os mais íntimos aspectos das expectativas da maternidade, abordadas na conflitante e absurda relação entre Damaris e Chirli.
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