Sarah.Raphaele 08/08/2023
“todo o passado terreno terá sido o Céu para quem é salvo. Da mesma forma (...) será vista pelos condenados como o Inferno.”
Como a sinopse relata, acompanhamos uma pessoa sem nome que se encontra em um lugar remoto, uma cidade cinzenta, (que mais a frente será chamada de Inferno) e entra em um ônibus com destino ao Vale da sombra da vida, mais próxima das montanhas/terras altas (o Céu).
As pessoas que vivem lá são sólidas, e os visitantes não (possuem aparência fantasmagórica). E lá, elas devem escolher se permanecem ali e seguem caminho às montanhas ou se voltam para o lugar de onde vieram. O vale da sombra da vida é um lugar onde esses ‘fantasmas’ vão para serem diretamente confrontados por seus pecados.
p. 84 “a escolha de toda alma perdida pode ser expressa nas palavras: “melhor reinar no Inferno do que servir no Céu”.
p.87 “no final, existem apenas 2 tipos de pessoas. Aquelas que dizem a Deus “seja feita a tua vontade”; as outras são aquelas às quais Deus, por fim, diz: “seja feita a tua vontade”.”
O personagem-narrador observa as reações dos outros companheiros e suas histórias nos levam a questionar se estamos tentando moldar nossos pecados para caberem no céu ou se estamos prontos para abandoná-los.
A obra foi publicada pela primeira vez como uma série em um jornal The Guardian em 1944 e em 1945 como livro. O título original era "Who Goes Home?" (Quem vai para casa? em tradução literal) mas o título foi alterado para "The Great Divorce, a dream". A editora Thomas Nelson decidiu manter uma tradução fiel e trouxe ao Brasil como “O grande divórcio, um sonho”.
Falo isso porque já tivemos outra versão em português intitulada de "O Grande Abismo” por outras editoras. Se você achar por aí, saiba que se tratam da mesma obra.
O título da obra é uma resposta ao livro de William Blake (O Casamento do céu e do inferno). Blake foi um poeta inglês muito famoso em sua época, lá no século 18. Blake defendeu a ideia de que céu e inferno podem conviver juntos dentro do homem. Baseado na crença de que bem e mal/ céu e inferno eram coisas relativas, dois lados de uma mesma moeda e que ‘todos os caminhos levem ao bem’. Para Lewis, isso é impossível, a escolha de um implica automaticamente na exclusão do outro, e, por isso, propõe o divórcio desses dois.
p.14 “o bem, ao amadurecer, distingue-se cada vez mais não apenas do mal, mas também de outras formas de bem. (...) o mal pode ser desfeito, mas não se “transformar” em bem. (...)
se insistirmos em manter o Inferno (ou mesmo a Terra), não veremos o Céu; se aceitarmos o Céu, não seremos capazes de reter nem mesmo as menores e mais intimas lembranças do Inferno.”
Lá em 1Joao 2: 15-16 diz: “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo.”
Cada pessoa que habitava na cidade cinzenta da história de Lewis estava cheia de suas próprias concupciencias. Em seu livro, o autor está nos falando o tempo todo que podemos até tirar um pecador do inferno e colocá-lo no céu, mas ali não será o céu pra ele. Na sinopse está escrito que os portões do inferno estão trancados por dentro. Esse comentário só vamos entender após a leitura, pois percebemos que coube a cada um dos personagens essa escolha. Cada pessoa faz o seu próprio inferno e se mantém lá até o momento que decide sair.
p 15 “qualquer um que alcançar o Céu descobrirá que aquilo que abandonou não foi perdido: a essência daquilo que realmente buscava, mesmo em seus desejos mais depravados, estará lá, além de qualquer expectativa, aguardando por ele nos “Países Altos”. Nesse sentido (...) o bem é tudo e o Céu está por toda a parte (...) no entanto (...) não devemos (...) acolher a ideia falsa e desastrosa de que tudo é bom, e de que todo lugar é o Céu.”
p. 81 “todo o passado terreno terá sido o Céu para quem é salvo. Da mesma forma (...) será vista pelos condenados como o Inferno.”
Os diálogos se tornam mais amplos e ganham profundidade maior com a aparição de George Macdonald. Lewis faz uma espécie de homenagem ao colocá-lo na figura de um personagem tão importante em seu livro. Essa figura não é ninguém menos que o “mestre” de Lewis (assim entre aspas porque o próprio Lewis o chamava assim, devido à grande influência que recebeu dele).
Desde o início, Lewis deixa claro que não tem intenção de levantar nenhuma teoria sobre detalhes da vida após a morte. Mas apenas de transmitir uma mensagem edificante, trazendo uma moral para sua história cheia de elementos de fantasia. Mas é incrível o quanto de tempo podemos passar discutindo as questões levantadas por Lewis, mesmo em uma obra curtinha quanto essa e de cunho fictício. Essa é uma das belezas das obras de Lewis.
p.111 “Nenhum sentimento natural é, em si mesmo, superior ou inferior, santo ou profano. Todo sentimento é santo quando a mão de Deus o governa. Todo o sentimento se deteriora quando se estabelece por conta própria e se transforma em um falso deus.”
p. 117Há apenas um bom: Deus. Tudo o que é bom, é bom quando se volta para ele, e tudo o que é ruim, é ruim quando se afasta dele.
Ao longo da leitura percebemos que Lewis também se inspirou em obras como “A Divina Comédia” de Dante e “O peregrino” de John Bunyan para escrever sua ficção. Mas o autor também teve como fonte de ideias para seu livro outros materiais que são citados direta ou indiretamente: trabalhos de Santo Agostinho, John Milton, John Bunyan e Chales Hall (é inclusive o escritor americano cujo nome Lewis esqueceu -o cita no prefácio do livro), George MacDonald. Dante, Prudentius e Jeremy Taylor são citados diretamente no capítulo 9 e o trabalho de Aristoteles é citado no capítulo 1.
Algumas pessoas ainda são receosas com obras de Lewis e afirmam que são leituras muito difíceis. Se por um lado é verdade que seus escritos são cheios de analogias, a cada obra sua que lemos, pegamos mais experiência com sua escrita. Sugiro começar com Nárnia, seguido de cartas de um diabo a seu aprendiz.
Na minha opinião você vai ter insights maiores ainda caso tenha lido os 4 amores antes deste aqui. Mas isso é apenas uma opinião pessoal.
Fica aí mais uma dica de leitura.