spoiler visualizarGuilherme 16/04/2023
Resenha Filhos de Virtude e Vingança de Tomi Adeyemi.
Filhos de Virtude e Vingança é a continuação do popular Filhos de sangue e Osso. A sequência foi publicada em 2020 e se passa algumas semanas após os eventos do final do primeiro livro.
Eu gostei do primeiro livro, fiquei empolgado pela aventura e a ambientação que me fizeram prontamente investir na sequência. Infelizmente fiquei decepcionado com a continuação.
Não tenho a intenção de desmerecer a obra, apenas busco organizar meu pensamentos ao final do livro, também convido a quem tiver lido deixar um comentário sobre o que achou do livro e se discordam do que eu disser. Pode ser que algo tenha me escapado e estou disposto a aprender.
Lembrando a vocês, esse texto terá spoiler dos dois livros.
Inicio da jornada
Devo frisar que não entendo qual o objetivo da autora nessa sequência e isso me confundiu bastante ao longo dessa leitura. Eu pensei que a conclusão que os personagens tinham chegado ao fim do primeiro livro foi de que somos todos filhos de sangue e osso, ou seja, somos todos iguais independente de nossa origem e devemos nos tratar como irmãos…
Por isso fiquei chocado com algumas das decisões tomadas pelas personagens ao longo dessa história. Não consigo pensar em nenhum dos personagens originais que tenha se mantido fiel aos ideais iniciais (talvez a excessão seja Tzain).
Uma das coisas que eu mais gostava no primeiro livro era a revelação do passado de Saran. Ao entendermos que ele possui a mesma motivação da nossa protagonista o alerta acende e percebemos que cabe aos nossos personagens quebrar o ciclo e se mostrar diferentes do vilão da história.
Infelizmente nossos personagens aparentemente se mostraram iguais….
Acho o inicio do livro confuso. Não entendo a escolha dos protagonistas de que a melhor solução para o conflito seria apelar para o direito de sangue da Amari ao trono. Não tinha problema com essa questão, mas acredito que convencer os povoados aos poucos seria uma opção melhor e com custo menor de vidas. Sem dúvida ir a capital foi uma das decisões mais idiotas que vi e o fato de eles escaparem me deixou surpreso.
Muitas coisa não fazem sentido nesse começo e parecem muito convenientes, por exemplo; qual o sentido de a monarquia ter chegado a Inan antes dos protagonistas? Por que Zélie e os demais presumirem a morte de Inan sem ver o corpo ? Sério que os anciões, que pareciam ser sábios, optaram por lançar um ataque no momento que os poderes voltaram? Pois eles se provaram imediatamente a ameaça que a monarquia temia. Não faz sentido a monarquia ou melhor os “Titân” terem um domínio tão forte da magia sem nenhuma instrução e não faz sentido eles usarem da magia se eles a odeiam, isso é incoerente.
Personagens
Esse é o ponto que mais me decepcionou. Zélie Amari e Inan…
Zélie parece ter esquecido da epifania que teve na ilha sagrada e continua a ter a mentalidade “nós contra a monarquia”, passando inclusive a se culpar por ter restaurado os poderes deles. Além disso, a personagem se envolve numa auto piedade que me desconectou dela. Ao longo do livro ela também toma atitudes contrárias às crenças que possuía no primeiro livro, isso ficou evidente quando ela DESTROI o ULTIMO pergaminho SAGRADO que permitia a criação da conexão por sonhos para impedir de Amari contatar Inan, ou seja, nunca um maji poderá criar esse tipo de conexão, apenas os titân poderão.
Inan por sua vez já tinha mostrado sua fraqueza desde o final do primeiro livro ao apoiar o pai mesmo depois de detectar a verdadeira origem do problema. Aqui ele não se mostra diferente. Ao longo de todo o livro ele promete uma redenção, mas não possui autoridade para governar e deixa que sua mãe a Rainha Nehanda o desautorize e passe por cima de suas ordens em cada oportunidade que encontra.
Fiquei decepcionado pois não vi motivos pelos quais a autora o manteve vivo, a não ser servir de motivação para vingança de Zelie. O frustrante é que sempre que ele parece estar pronto para romper com a monarquia ou conseguir o tratado de paz algo ou alguém de alguma forma consegue impedi-lo. Isso me frustrou e me fez desistir de importar com o personagem.
Tzain some durante grande parte da narrativa, servindo apenas de apoio emocional para as personagens protagonistas, não existe um arco dele e com exceção da decisão final de ir contra Amari ele não toma nenhuma decisão impactante na história.
Nehanda parece uma personagem completamente diferente do primeiro livro. Ela passou de coadjuvante para vilã e isso não combina com a sua passividade anterior, parece um retcon o fato de ela ter sido a sabotadora do pacto de paz que Saran menciona no primeiro livro.
Roen sempre me pareceu um tanto estereotipado e nesse livro ao se tornar interesse amoroso de Zélie isso fica ainda mais claro. Ele é o clássico cara misterioso que usa da brutalidade para criar temor em seus homens, mas faria de tudo pela mulher que ama… é o Daario Naharis da nossa Zélie.
Dos personagens novos quase nenhum me impactou de verdade, os Anciãos e membros do Iyika me parecem cegos pela vingança e não tem tanto tempo de tela, com exceção de Mâzeli, mas ele foi feito para nos apegarmos e sua morte dar carga dramática para a Zélie.
Ojore seria um contraponto a Inan, um reflexo do que ele era e isso somente teria força se Inan passasse por mudança. O incrível é que Ojore conseguiu crescer e mudar de lado antes de Inan. Sua morte deveria ser o ponto motivacional para finalmente Inan romper com o legado de sua família e ter sua redenção, mas tudo parece conspirar para isso não acontecer.
Amari é a personagem que mais me doeu. Durante grande parte da história ela se mantém coesa. Sim ela parece ter esquecido de Binta, mas é a única personagem que parecia honestamente tentar colocar todos para conversar e tentar resolver o assunto sem mortes…E então chegamos ao final do livro e ela opta por sacrificar uma cidade inteira com gás venenoso em busca do fim da Guerra e da sua ascensão ao trono…
Essa escolha foi extremamente fora da personagem e não consigo entender o porquê da autora ter feito isso. Sempre vi a personagem da Amari como a prova de que independente da origem as pessoas podem ser boas. Essa era a lição e a razão de ser da personagem. Os eventos do final do livro mudam isso e a mensagem passa a ser que até os mais puros corações podem ser corrompidos pelo poder…
Isso foi de uma brutalidade que me deixou em negação. Ao final, se aceitarmos isso como verdade significa que não há esperança. Toda a busca por um lugar melhor e uma convivência melhor não tem sentido pois eventualmente todo mundo será corrompido.
Ao meu ver a sociedade é reflexo de suas crenças. Nós tratamos os outros bem pois acreditarmos que seremos tratados bem de volta, se alimentarmos os valores de honra e dignidade e os praticarmos então as pessoas ao nosso redor (em sua maioria) nos tratarão dessa maneira. Se acreditarmos que todo o coração pode ser corrompido então todo coração será corrompido. Achei essa mensagem desesperançosa e depressiva.
História
Esse livro é um tanto mais parado quanto o anterior, após os personagens serem devidamente colocados em cada extremo da guerra, muito pouco acontece. Parece tudo repetitivo, fica um “nós não confiamos neles… eles são os verdadeiros culpados… paz não é uma opção” . Apenas quando voltamos ao santuário de Candomblé a historia ganha a velocidade do primeiro livro, mas após esse evento a antiga estagnação volta a imperar no livro.
Quanto o final, não sei se entendi direito. Tudo pareceu corrido e confuso.
O extermínio em massa promovido por Amari parece não ter consequência (além de destruir mentalmente a personagem) pois descobrimos que podemos ressuscitar os mortos. Isso de quebra também faz tudo parecer irrelevante.
Não entendi o que Inan pretendia fazer para desmontar a monarquia. Espero que aquele discurso tivesse sido a distração para um plano maior, mas isso não importa pois ele foi interrompido de novo…aff
Entendi que Zelie queria exterminar toda a monarquia, mas se lembrarmos que existe uma classe de maji que é especialista em conectar mentes, emoções e lembranças, me parece que existiam opções melhores do que exterminio. Talvez ao menos tentar criar empatia….mas isso jamais foi cogitado por ninguém em momento nenhum.
Por fim, não posso deixar de falar do epílogo onde todo mundo acorda acorrentado após o repentino aparecimento de uma parede de gás branca. Isso me pareceu totalmente inesperado e barato.
Conclusão
A sensação que tive é que nenhuma decisão tomada pelos personagens, tanto as corretas quanto as erradas, tem importância, pois novamente algo inesperado os joga para outra direção.
Não estou dizendo que um final onde a monarquia é exterminada estilo revolução francesa fosse o que eu desejava. Como disse, eu pensei que eles tentariam criar empatia ao “conectar todo mundo” (palavras usadas tão repetidamente que pensei ser um foreshadowing), mas interromper isso na metade, para fazer uma alegoria a escravidão, com menos de um capitulo de desenvolvimento e sem explicar como ninguém percebeu uma armadilha me pareceu desonesto como o leitor.
Infelizmente não gostei de filhos de vingança e virtude e não sei se eventualmente voltarei para uma continuação.