Ley 14/05/2021Quanto ódio pode ser necessário para arrasar tantas vidas?O Legado de Orisha foi uma trilogia que começou muito bem e já conquistou inúmeros leitores. A proposta trazendo uma fantasia com elementos da cultura iorubá, e uma protagonista forte lutando contra um sistema opressor foi o suficiente para também chamar minha atenção. O segundo volume era um dos que eu mais estava aguardando, já que o final do anterior deixou pontas soltas.
O objetivo inicial de Zélie era a volta da magia e isso enfim aconteceu no desfecho de Filhos de Sangue e Osso. Outros eventos marcantes ocorreram, e eu esperava que eles fossem explicados nessa sequência. No prosseguimento da história, Amari, vista como a única herdeira do trono remanescente de Orisha, pretende reivindicar seu lugar e em seguida unificar os povos para que não haja mais opressão.
Esse plano é o que inicialmente temos contato, mas tudo muda quando acontecimentos inesperados ocorrem. No reino, há uma resistência formada por divinais, agora com seus poderes despertos, mas de algum modo, outras pessoas foram agraciadas com esses dons no processo de despertar a magia.
O que era algo destinado apenas para os maji, agora também foi distribuído para o lado oposto. Enquanto isso, ainda há uma rivalidade constante. Onde no livro anterior, o rei era a maior ameaça e também o causador da perda da magia, nesse volume sua esposa, também mãe de Amari e Inan, é uma ameaça presente.
A sensação de que algo pode dar errado para Zélie, Amari e os divinais é sentida desde o primeiro momento neste livro. Sempre há uma ameaça a ser lidada e a perda de cada vez mais divinais, é inevitável. O que faz a tensão ficar ainda mais evidente é os dois lados estarem dispostos a enfrentar uma possível guerra. Apesar de claramente ter outros meios de tudo se resolver, os personagens não facilitam em nenhum momento.
Muitos pontos me incomodaram neste livro, mesmo conseguindo entender as motivações dos personagens. Zélie teve tantas perdas que seu único estímulo agora é acabar com o lado rival através da guerra, enquanto para o lado oposto há uma contradição em que caminho seguir.
Esse desacordo entre eles acaba prejudicando o rumo em que os eventos irão acontecer, consequentemente trazendo um resultado catastrófico advindo dessas decisões. Para mim, seria bem mais fácil ambas as partes sentarem para uma conversa e entender que o ódio não irá levar ninguém para frente.
Contudo, esse é justamente o ponto que a autora quis frisar. Com tanto ódio envolvido, todas as partes continuam vulneráveis e impulsivas, gerando uma teia de eventualidades desastrosas. Como ficará um povo que foi odiado e caçado por tanto tempo? A luta dos divinais por conseguir seu direito em Orisha sempre foi dura, portanto lutar pela liberdade é o que se espera.
Mas o que acontece quando o outro lado não cede e continua obcecado pela sua própria verdade, sem uma possibilidade de arrependimento? É tão doloroso imaginar quanto acompanhar o desdobramento desses acontecimentos.
O primeiro volume é uma corrida para o resgate de uma parte essencial dos divinais, que é a magia. Entretanto, a verdadeira magia nos é mostrada neste volume. Nele, podemos vislumbrar de forma ampla como é a magia para eles, seus costumes, assim como a representação de cada deus.
Ainda sobre os personagens, enquanto novos nomes ganham destaque na história, senti que infelizmente houveram personagens que no livro anterior tiveram uma boa apresentação, mas quase não aparecem neste livro. As relações entre eles também são mais estreitas, de forma que fica difícil saber o que esperar do próximo livro.
A leitura me proporcionou momentos de raiva, e outros de contemplação. Sempre admiro a forma como a autora resgata mais e mais do iorubá, e ainda trás uma leitura viciante. Sua escrita continua maravilhosa e o livro tem uma carga política maior. Não foi meu favorito até agora, mas ainda tenho curiosidade de como essa história irá terminar.
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https://www.imersaoliteraria.com.br/2021/04/resenha-filhos-de-virtude-e-vinganca.html