Jacque Spotto 04/02/2022
Esse foi daqueles livros que não li nada a respeito antes de iniciar a leitura, então não sabia
o que esperar. A única coisa que tinha conhecimento era que a escritora tinha ganhado o
prêmio Kindle de 2021 por ele.
Aglaia, a narradora e personagem do livro nos conta, já adulta, sua vida desde seu
nascimento até boa parte de sua adolescência, porém a cada capítulo há uma narrativa à
parte, assim a história vem em duas linhas paralelas no tempo.
De início, dá para perceber que a personagem é uma garota que possui seus medos e
frustrações, até certo ponto comuns da infância e adolescência, até me identifiquei com
alguns de seus sentimentos na juventude. Mas ela também se sente deslocada na escola e
dentro do seu próprio lar. Seu pai é um dramaturgo vaidoso e pretensioso, e sua mãe, uma
professora universitária que sustentava a casa enquanto o marido tinha seus rompantes de
grandeza. Também tinha aquela pessoa que era seu lugar de aconchego, a avó Sarita. De
toda forma, seus pais eram pessoas bem instruídas, que nutriam um grande amor pela
leitura de grandes obras da literatura, o que Aglaia herdou muito bem, e somente nesse
ponto ela se via próxima dos pais.
Até certo momento da história eu acreditava que Aglaia era apenas uma criança deslocada
na escola e família, mas a partir de uma cena presenciada por ela todo seu mundo passa
por uma drástica transformação até sua adolescência que também é marcada por uma
situação muito impactante para Aglaia, daí eu diante percebe-se que a raiz de sua angústia
e falta de pertencimento é mais profunda. Confesso que em boa parte do livro eu não
conseguia me conectar tanto com seu sofrimento, mesmo percebendo que ela poderia ter
um certo problema de saúde mental. A partir do momento que a narrativa passa a se
aprofundar mais no que Aglaia sente, expondo seus temores e principalmente sua fúria que
leva a graves consequências, passo a não só compreender sua dor como também ter uma
certa empatia por ela, apesar dela praticar ações totalmente cruéis e irracionais.
Conversando com minha amiga Luciana, que também leu o livro, ela me informou que o
problema de Aglaia poderia ser a síndrome de borderline, pelo menos para minha amadora
pesquisa no Google, os sintomas são bem parecidos. Sabemos que todas as famílias têm
seus problemas, e muitos, desde a infância, tentam lidar da melhor forma possível com
essas adversidades. Já Aglaia não, qualquer problema existente se transforma em algo que
lhe causa imensa dor e confusão, seus sentimentos são extremamente intensos. A família
mesmo sabendo que Aglaia tem algum transtorno (no livro não exemplifica qual seja),
mesmo buscando tratamentos, ainda não conseguem entendê-la. Aglaia se sente sozinha,
abandonada, triste e depressiva, e a forma que a família lida com seu problema parece
mais piorar do que ajudar.
Esse livro foi bem impactante para mim, porque me fez ver, a partir da perspectiva da
pessoa que sofre de um transtorno como ela realmente se sente. Diferentemente de uma
narrativa feita por uma terceira pessoa, como uma forma didática de explicar a dor do outro.
Aqui a escritora nos coloca como a pessoa detentora da dor, e ela faz isso gradativamente,
apresentando primeiro a personagem, seu meio e suas aflições, para depois te incluir, não
como um expectador, mas você passa a experimentar as aflições de Aglaia. Não é uma leitura fácil, tem vários gatilhos, mas é um livro extremamente bem cuidado, daqueles que
te fazem sair do eixo.
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