Sil 02/04/2021
O romance de formação da autora Natércia Pontes vai falar sobre Abigail e sua família, que vivem no apartamento 402 em um bairro de uma cidade não nomeada.
Essa família disfuncional tem um grande problema: O patriarca, Lúcio, é um acumulador com zero preparo para criar duas adolescentes. Abandonando recentemente pela esposa, madrasta das meninas, seu quadro só tende a piorar. De inicio eu tive a impressão de que a família era muito pobre, com a casa cheia de tralhas e acumulando bichos e mais bichos, principalmente baratas, eu só conseguia imaginar aquelas famílias do programa Acumuladores que mal vê a luz do sol entrar de casa e possui geladeira e armários cheio de comidas estragadas, entretanto isso não passa de uma pequena omissão da autora, talvez, para fazer com que o leitor perceba que certos problemas não escolhe classe social. A família é de classe média, talvez baixa, que possuem recursos para viver em um local limpo e bem cuidado, mas que o problema do responsável impossibilita isso. No meio de tudo isso a narradora, Abigail, conta sua adolescência em meio a fome ao desejo de viver bem.
O livro não tem uma narrativa como estamos acostumados, assim como o título a história é contada em forma de "caquinhos", pedaços e fragmentos de uma adolescência com abuso de álcool, cigarro, abuso sexual e agressão. Em meio as confusões e palavras quase desconexas há diários, cartinhas, listas, poemas para completar tudo o que ela gostaria de dizer. Eu gostei muito dessa forma, apesar de eu até ter criticado um livro recentemente que tinha uma narrativa semelhante, pois aqui a autora conseguiu encaixar tudo de uma forma que o leitor consegue entender a história. Não basta colocar uma narrativa diferente na história se nem todos os leitores vão conseguir entender ou absorver algo e esse era meu medo ao começar a leitura e perceber isso, mas fiquei muito feliz em ver que tudo foi tão encaixadinho e muito bem abordado que mesmo sendo em caquinhos eu consegui ver tudo, sabe?
Abigail nunca entendeu muito bem os problemas de sua família, mas ama seu pai a ponto de todas as noites ir conferir se ele ainda está respirando, ama a sua irmã o suficiente para sentir falta quando ela some para a casa de uma amiga e mal dá noticias por semanas, mas parece que não se ama o suficiente para cuidar de si. Em certo momento há até uma reflexão sobre isso e após uma tragédia ela passa a mudar aos poucos e também entende que não depende somente dela. Sendo jovem no inicio dos anos 90, para mim foi muito fácil imagina-la como os adolescentes de filmes dessa época, em que se perdia para tentar tapar o buraco que a vida imperfeita deixava, se apaixonando facilmente por qualquer um e aceitando aquele amor que ela acha que merece. Com certeza é uma personagem que eu vou ter um carinho, pois o tempo todo me vi torcendo por ela e tentando aconselha-la.
Acho importante avisar que o livro tem muitas descrições sobre a situação da família e principalmente da casa. Então ao ler esse livro esteja preparada para cenas com baratas e ideias desses bichos nojentos andando pela sua cara durante o sono. Acho que algumas pessoas tem estomago fraco para isso e eu mesmo odiando baratas com todas as minhas forças procurei nem pensar nisso, mas essas descrições são necessárias para compor toda a ideia do livro e após alguma tempo a gente acaba se acostumando. Os Tais Caquinhos é um livro incrível com uma "trilha sonora" maravilhosa, uma delas sendo o álbum "Angel Dust" do Faith no More, uma banda que eu adoro
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