Tuca 05/04/2021Não me lembro de ter lido algum romance que se passasse na Roma Antiga, e isso por si só foi a primeira coisa que me atraiu para “Vaticínio de amor”. E a segunda foi o título. Vaticínio não é uma palavra muito conhecida ou usual no português, nós melhor a compreendemos como profecia ou oráculo. Uma profecia de amor seria o tema dessa história curiosa, se ela não começasse de forma exatamente oposta. Lavínia, filha de um senador romano, é levada à presença do oráculo quando criança, e a ela é dito, que diferente de suas irmãs, ela nunca irá se casar. Seus sonhos são despedaçados por um destino que ainda não aconteceu. Logo em seguida, ela é destinada a ser uma sacerdotisa virgem de Vesta, privada de sua família, de sua vida, de sua liberdade e de qualquer possibilidade de ser dona de suas decisões.
Anos se passam, e Lavínia resigna-se com seu destino acreditando que a felicidade não era algo que lhe pertencia. Mas nada não está tão ruim que não possa piorar. O imperador de Roma decide retirá-la de seu enclausuramento e entregar-lhe em casamento a um bárbaro em troca de aliança: ela seria um sacrifício para glória de Roma. Sua vida nunca iria lhe pertencer? Até mesmo quando ela havia se conformado à sina de castidade e regras, porém dotada de certos poderes, ela seria jogada novamente em uma posição que não fora sua escolha. Para levá-la até a Britannia, a sua nova prisão, são designados dois soldados: o centurião Marcus e o tribuno Lucius.
Marcus tinha desprezo por todas as mulheres e pela ideia de se unir a uma delas em matrimônio desde que fora traído e desprezado por sua noiva Julia, enquanto, Lucius amava uma a cada dia, mas parecia nunca encontrar a certa para se comprometer. Lavínia não era apenas guardada pelos dois homens e seus soldados, era também acompanhada por sua serva Lídia, uma jovem escrava cristã a quem salvara a vida. Na briga entre honra e dever contra o amor e o desejo, Lucius acha sua paz em Lídia, e Marcus em Lavínia, no entanto, isso não significa que suas escolhas seriam feitas de imediato. Dois homens criados para deitar suas vidas aos pés de Roma não iriam colocá-las tão facilmente a disposição de uma mulher sem uma longa e complicada luta contra si mesmos, suas crenças e sua lealdade para com o seu país.
Liberdade para muitos é apenas um sonho, uma utopia. E para quem sempre viveu aprisionado talvez não seja fácil reconhecer que nem todas as grades são físicas. Lídia vivia a escravidão literal, a dor de ser uma propriedade, um objeto, mas mesmo nas várias vezes em que sua liberdade fora lhe oferecida ela escolheu a escravidão a uma vida desconhecida, sem família, nas ruas de Roma. Lavínia estava presa a um outro tipo de escravidão, uma mais permissiva, mais “privilegiada”, mas mesmo assim uma escravidão. Será que alguma mulher de Roma realmente saberia o que era liberdade? Submetidas a um oráculo, a um marido, ao imperador ou aos Deuses? Lavínia e Lídia fazem de sua viagem de um cárcere a outro sua jornada de liberdade. Mas para as escolhas que desejavam fazer, elas não poderiam se libertar sozinhas. Marcus e Lucius precisavam se livrar das correntes de suas servidões a Roma, e a Marcus ainda era necessário jogar fora o ressentimento que sentia por Julia que também o limitava.
Amor, honra e liberdade nos tempos da Roma Antiga já é uma ótima combinação para um romance, acrescido das mitologias e do contexto histórico da luta do cristianismo pelo direito de expressar sua fé, ele congrega uma certa completude. E a cereja do bolo: a ideia de predestinação. As discussões entre Lavínia e Lídia de como suas religiões entendem o mundo são feitas de formas muito sutis, mas é um ótimo acabamento de uma obra já bem delineada.
Na literatura romana, os oráculos são de extrema importância, e desafiá-los mostra-se sempre uma impossibilidade. Em Vaticínio de Amor, tem-se uma visão muito mais moderna de destino, além de deixar no ar outras interpretações para a profecia ofertada a Lavínia que encaixaram muito bem. As coisas não são todas preto no branco. Infelizmente, por mais que o ciclo de um dos casais se feche com chave de ouro, o outro fica com um gancho, me fazendo torcer para que haja uma continuação.
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