Coruja 15/03/2021Mais um conto bem humorado de O. Henry (com que, aliás, inauguramos o ciclo da Sociedade) - que fez-me lembrar de histórias sobre sopas de pedra que ouvi quando era criança. Temos aqui uma narradora faminta e um casal de amantes perdidos que, por uma série de coincidências - e cada um levando consigo um ingrediente - acabam por se entrecruzar, até saciarem mais do que o apetite por um bom ensopado.
Hetty Pepper acaba de perder seu emprego. Com seus últimos centavos, compra uma bela costela, planejando fazer um ensopado que a ajude a se fortalecer antes de sair em busca de um novo trabalho. Mas nem só de carne vive o homem e ela suspira e suspira por batatas e cebolas para completar a refeição. E aí uma de suas vizinhas tem apenas batatas para o jantar, e uma história de desencontros para contar... e a coisa continua daí.
Hetty é uma personagem prática, pé no chão, com ambições e anseios bastante pragmáticos - em contraste com a vizinha artista e o jovem da cebola e seus devaneios românticos. Embora não nos seja mostrado, é certo que o casal há de se acertar, e enquanto isso ocorre, ficamos com a cômica fixação de Hetty no ensopado. No entanto, creio que fica implícito aqui uma fome mais simbólica: uma carência não apenas de alimento, mas de segurança (lembrando que a narradora acaba de ficar desempregada) e de afeto; de relações significativas. Não é à toa que os jovens amantes se conhecem quando a artista tenta cometer suicídio.
Ao destrincharmos os ingredientes do ensopado, o conto torna-se surpreendentemente melancólico. Há mais aqui que a soma de temperos, que a fome e a saciedade de um estômago cheio. Como de hábito na SRL, uma história para se contemplar.
site:
https://owlsroof.blogspot.com/2021/03/sociedade-das-reliquias-literarias-um.html