ritita 17/03/2021Minha amiga Carolina de JesusComo é bom encontrar perdido pelaê livros tão bons quanto este.
Na narrativa Marie é antilhana de Martinica (as Antilhas francesas são um conjunto de ilhas não necessariamente unidas politicamente, entre as quais: Martinica, Guadalupe, São Bartolomeu e São Martinho), mora num subúrbio próximo de Paris com marido e filhos, e apesar de ter o curso médio e datilografar muito bem não consegue outro emprego que não seja como faxineira. Os franceses não lhe dão oportunidade porque é negra e as antilhanas são consideradas pau pra toda obra, não reclamam de e no trabalho e aceitam ganhar migalhas para sobreviver.
Marie tem consciência plena do racismo e do preconceito, porém precisa colaborar nas despesas domésticas e não aceita que seus filhos deixem de estudar p trabalhar, passem fome ou andem maltrapilhos como seus vizinhos antilhanos.
Nas cartas que escreve para Carolina deixa claro que tem uma vida muito sacrificada, mas privilegiada em relação à brasileira.
Que marravilha de escrita, que lucidez sobre sua condição precária, sem tristeza, arrependimento de ter saído da Martinica, ou lamentos, apenas contando como é.
Trechos:
"Maio de 1962: Eu descobri você, Carolina, no ônibus. Levo vinte e cinco minutos para ir até meu emprego. Penso que não tem a menor serventia ficar se perdendo em devaneios no trajeto para o trabalho. Toda semana me dou o luxo de comprar a revista Paris Match; atualmente, ela fala muito dos negros. Foi assim que conheci a sublime sra. Houphouët com seu vestido de gala. Eu não iria lhe dedicar as minhas palavras, ela não teria compreendido. Mas você, Carolina, que procura tábuas para o seu barraco, você, com suas crianças aos berros, está mais perto de mim. Volto para casa esgotada. Acendo a luz, as crianças estudam..."
"Carolina, você nunca vai me ler; eu jamais terei o tempo de ler você, vivo correndo, como todas as donas de casa atoladas de serviço, leio livros condensados..."
"Na favela, você nunca foi capaz de pensar em nada além do pão de cada dia. Penso que é isso que me aproxima de você, Carolina Maria de Jesus. Eu também me chamo Marie, como você..."
"Quando você juntou as tábuas para o barraco, você não conhecia a expressão “de que adianta?”, isso me dá uma vontade danada de escrever meus pensamentos, preto no branco, enquanto as crianças dormem..."
No caso não ficamos sabendo se o tal livro foi publicado, ainda assim é uma delícia de leitura.
Nota: Françoise Ega era uma trabalhadora, escritora e ativista social afro-martinicana. Ela foi mais notada em sua vida por sua liderança comunitária e defesa de direitos dos migrantes do Caribe na França