Mark.Cardoso 13/10/2023
Fechemos, pois
Meu pós-moderno favorito, propõe uma reflexão acerca da nossa relação com o tempo e o nosso atual consumo ininterrupto de imagens. Ele aponta que nossa produção de sentido depende do conceito de Hegel, o qual aponta que todo racional é uma conclusão. E a produção de sentido acontece quando o início e o fim de um processo são capazes de formar um conjunto narrativo.
Complexo? Talvez. Mas pensa assim: um fato ou uma vivência precisam ter começo-meio-fim para que gerem uma conclusão. E um conjunto dessas “conclusões” formam uma narrativa. Nela é que se dá a produção de sentido — tão cara a nós e nossas neuroses.
Para Han, a fotografia, antes, era uma narrativa em si. A imagem trazia certa musicalidade silenciosa. “As imagens digitais não contam ou falam, mas, sim, fazem barulho” (HAN, 2021). E a nossa percepção, em meio a todo esse zunzunzum, tem se tornado incapaz de concluir qualquer coisa ao zapear pela rede digital sem fim.
Interessante quando ele aponta que a nossa memória, que tem uma estrutura narrativa, está se assemelhando a uma memória virtual, que é um ‘depósito de tralhas’, por estarmos nos entupindo com “todo tipo de imagem e símbolos desgastados, desordenados e mal adquiridos”. E que essa desordem tem prejudicado a nossa produção de sentido — de novo: algo tão caro a nós e nossas neuroses.
Fadigados pela enxurrada de informação, perdemos a capacidade de pensar analiticamente. “Também o pensamento carece de silêncio. É preciso poder fechar os olhos”.
Para o filósofo, o sujeito da sociedade do desempenho tem se tornado incapaz de chegar a conclusões, visto que ele se despedaça sob a coação de sempre ter de produzir mais desempenho. E arremata: “precisamente, essa incapacidade de chegar a uma conclusão e de encerrar conduz ao burnout.”
Por conta disso, eu adorei quando ele construiu o seguinte pensamento: se o tempo se divide entre o tempo de trabalho e o tempo festivo, esse último não seria exatamente um tempo de relaxamento. Não. É um tempo de encerramento e conclusão. Com a festa, se permite que um novo tempo comece. E se o tempo do trabalho (profano) e o tempo do repouso/férias celebração (sagrado) se misturam; se não se pode mais haver um ‘fim de expediente’ como um ritual de véspera do festivo, resta o banal, o cotidiano. E nele mora o imperativo do desempenho.
“Hoje, o tempo do trabalho tem se imposto como ‘o’ tempo. Perdemos há muito o tempo de festa. Trazemos o tempo do trabalho não apenas nas férias, mas também no sono. Por isso dormimos tão inquietamente, hoje” (HAN, 2021).
É por isso que o fim de semana, o happy hour, o repouso, o feriado, o relaxamento não podem ser vistos apenas como um “período de recuperação e regeneração da força de trabalho”. O descanso, o relaxamento, o ócio devem ser vistos como o viver.
Essa é a grande armadilha ocidental no capitalismo tardio: a construção doismilésca de que o nosso trabalho é a nossa identidade, enquanto indivíduo.
É nesse período, fora do trabalho, que nós somos.