spoiler visualizarvitoriadesiqueira 18/07/2020
Animais selvagens escondidos sob a pele humana
“?Sou um homem, sou um idiota retorcido/ Minhas mãos estão retorcidas também/ De cinco dedos a dois cascos pretos/ Sou um homem, não tente me enganar/ Tenho dedos nos pés e consigo sorrir/ Sou torto, mas ereto? dizem os versos da música “Toes” - que fez eu me interessar pelo livro -, da banda Glass Animals ao questionar o que faz de nós, de fato, humanos. Seriam somente nossos polegares opositores?
A música foi inspirada no clássico da ficção A Ilha do dr. Moreau, em que é retratada uma ilha inimaginável habitada apenas por criaturas dignas de um pesadelo. Uma dessas bestas é o dr. Moreau, humano – ou pelo menos nascido assim -, um pesquisador exilado pelas experiências de vivissecção; a outra, Montgomery, o assistente também humano do cientista (e quem salva Prendick do naufrágio).
Os humanos da ilha são, quase sempre, mais animais que gente: o egoísmo do dr. Moreau ao, e sem nenhum objetivo maior – como o desenvolvimento da biotecnologia ou da medicina -, cometer as crueldades das experiências e a ignorância de Montgomery ao se entregar aos vícios e, portanto, à irracionalidade são, no mínimo, dignas da selvageria. A cada tentativa de Moreau de humanizar os animais, pois, ele mesmo passa por uma animalização atroz. Em uma crítica aos europeus de 1500, o dr. faz uso da moralidade e da religião para tentar controlar os que, para ele, eram incivilizados por meio da alienação e da crendice na falsa superioridade do homem branco, uma vez que – para o cientista -, os “animais humanizados” podiam voltar à desumanidade.
As criaturas da ilha, pois, adoravam a Moreau, que brincava de Deus. Consoante os cânticos que entoavam, era “dele a casa da dor; dele, a mão que faz; dele, a mão que fere; dele, a mão que cura”, era dele o relâmpago e as estrelas do céu, era ele quem vinha sobre as águas do oceano salgado e profundo. Não se devia andar sobre quatro patas, seguir outros homens ou provar do gosto do sangue – eram homens, afinal. A humanidade estava, portanto, muito mais nos animais civilizados que nos homens bárbaros, já que “um animal pode ser feroz e pode ser sagaz, mas para dizer uma mentira é necessário ser um homem de verdade.”
Como um pesadelo recorrente, no entanto, Prendick se vê novamente preso na barbárie ao sair da ilha. As verdadeiras bestas, entretanto, estavam, dessa vez, escondidos sob a soberba, o orgulho e a maldade da pele humana.
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