Lara Mélo 18/10/2023Afinal, qual Atlântico a gente sonha em cruzar?Esse livro foi uma ótima surpresa. Cheguei até ele aleatoriamente, na busca por histórias de pessoas negras ou que tinham a África como cenário. Cheguei a começar a ler e parar por um tempo. Só na segunda tentativa é que a leitura engrenou.
De forma bem resumida, o livro conta a história das gêmeas Hassana e Husseina/Vitória e os caminhos que elas percorrem separadas após ter sido arrancadas de sua família e de sua casa.
Em vários momentos do livro, eu senti incômodo por saber tão pouco sobre os lugares onde elas estiveram e sobre as línguas faladas, as religiões e os costumes desses locais. Ainda mais sabendo que, em determinado momento do livro, Husseina/Vitória passa a praticar o candomblé, religião tão brasileira e da qual sei tão pouco, e vem pra Bahia.
É a sensação de ter tido o fio que me liga a uma das minhas origens cruelmente cortado e, ao longo do tempo, me dar conta que passei a vida toda absorvendo informações sobre os países europeus – e até alimentando o sonho de ir pra lá – quando o continente no qual me reconheço no outro (além da América Latina, claro) é muito mais a África que a Europa. Não só na cor da pele e no cabelo, mas também na culinária, no jeito de falar, na dança, na música, nos costumes...
Enfim, o despertar pra esse apagamento pelo qual o continente africano passou e passa na construção do nosso senso comum e até dos nossos sonhos. Afinal, quantas pessoas eu conheço que sonham em cruzar o Atlântico para ir à África e não à Europa?
Obs.: tô falando do meu ponto de vista, sem generalizar.
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Trechos do livro:
“O canto alto, provavelmente de alguém cujo cérebro estava cansado de viver na realidade e tinha encontrado um novo lugar para viver.”
“axé, a força vital do terreiro e do Candomblé. Ali, a vida tinha permissão para apenas ser.”
“Quem eram essas pessoas que achavam certo colocar seres humanos em tais embarcações e tratá-los de forma pior do que animais?”
“Realmente eu não conseguia entender por que a morte dele me salvou. Não poderíamos ser mais diferentes.”
“então elas fingiam ser católicas e apenas convertiam seus orixás para santos católicos.”
“Queria que minha mente fosse preenchida com o conhecimento de tudo – flores, nuvens e cheiros.”
“Vivemos na parte próxima à lagoa e os europeus podem escolher a terra firme?”
“sentia como se estivéssemos sempre fazendo um mau negócio com os europeus.”
“Perguntei-me o que me tornaria mais poderosa. Nascer em uma nobre família da Costa do Ouro? Ser um menino? Não ter sido escravizada?”
“A escravidão tinha acabado, mas os espíritos das pessoas ainda estavam presos.”
“Não era justo como essas igrejas poderiam ser tão expostas, e o terreiro não, apenas por conta do lugar que tinha vindo.”
“Como o nascimento e a morte podiam ser tão parecidos? Ela supôs que eram apenas dois extremos de uma corda. E uma corda poderia formar um círculo. O que era a vida além de um círculo?”
“A vergonha era uma dança entre o orgulho e o arrependimento, que salta da raiva para a tristeza, e depois para o medo e te deixa completamente confusa”
“pensei em Jane Eyre chegando em Thornfield Hall e me perguntei que aventuras me esperavam no outro lado da minha jornada.”
“É diferente da crença católica. Nossa fé é sobre os ancestrais que nos protegem e sobre as forças do bem que vivem na natureza.”
“Há apenas dez anos eles pararam de escravizar, então algumas pessoas têm medo de serem devolvidas aos seus senhores."