carbononh 15/04/2023
O Brasil real
Ler Itamar, para mim, é recuperar o fôlego e entrar em contato, aos poucos, com a repentina e imensa vontade de viver. De tantos elementos já tão largamente explorados (na literatura e pelo capitalismo sanguinário), Itamar consegue retrabalhá-los e evocar metáforas para a água, chuva, o mar, faha, o fogo, a terra, as árvores, as matas, tudo. Itamar carrega na palma das mãos a magia de trabalhar as palavras e transformá-las em textos e poesias que relvam vida.
Em "Doramar ou a odisseia", Itamar nos presenteia com 13 contos que evocam o verdadeiro Brasil, o Brasil real, longe da herança literária amarrada à literatura europeia e às elites dominantes. Dessa vez, o Brasil real está sendo representado pelas perspectivas de tantos povos oprimidos que tiveram os destinos, as histórias e a vida engolidos pelas mãos gananciosas daqueles que só pensam em dinheiro. Neste livro, Itamar narra as histórias das mulheres pretas, das empregadas domésticas, dos povos indígenas - inclusive, em "O Espírito Aboni das coisas", nos presenteia com uma mescla entre o português e a língua indígena jarawara -, dos imigrantes ilegais e tantos outros que têm a vida espremida e descartada pelos homens brancos.
A ancestralidade é, na maioria dos textos, evocada, com uma força poética, que é ao mesmo tempo clara, bonita, dura e totalmente respeitosa. Na maioria dos contos, o autor amarra histórias distintas que se amarram e se atravessam pelas cordas invisíveis do tempo, dos espaços e das temáticas. Meu conto favorito foi "Meu mar (fé)", mas devo admitir que todos os contos são singulares, únicos e encantadores. A prosa poética de Itamar é uma coisa, para não dizer de outro modo, espetacular. Mais que recomendo a leitura. 4,5/5,0 ?