Diego Rodrigues 19/04/2022
"O gavião levanta voo, roda, roda, olha tudo e depois vem pousar no mesmo galho, no mesmo tronco. Se cortarem o galho, se queimarem o tronco, onde é que ele vai pousar? Vai ficar andando lá em cima, sem sossego, rodando, rodando. Eu sou como gavião, se co
Nascida em 1984, na cidade de São Paulo, Rita Carelli é escritora, ilustradora, atriz e diretora de cinema e teatro. Formou-se em letras pela UFPE e estudou teatro na Jacques Lecoq, em Paris. Em colaboração com a ONG "Vídeo nas Aldeias", lançou uma série de livros-filmes infantis. Algumas de suas obras, como "A História de Akykysiã" e "Minha Família Enauenê", foram reverenciadas pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e contempladas com o selo internacional "White Ravens", da Biblioteca de Munique. Publicado originalmente em 2021, "Terrapreta" marca a sua estreia no romance e presta um tributo aos povos originários do Brasil.
Inspirada em histórias das aldeias por onde a autora passou, a obra relata o drama de Ana, uma garota que, após um incidente, se vê forçada a trocar a vida de estudante de classe média em São Paulo por uma aldeia indígena do Alto Xingu, no Mato Grosso. Enquanto ajuda o pai, arqueólogo, em suas pesquisas sobre a ocupação humana milenar na região, Ana acaba entrando em contato com um mundo completamente desconhecido, onde "tem homem que é jacaré, beija-flor que já foi humano, mulher que namorou peixe. Gente que já morreu também participa, e às vezes até volta à vida um pouquinho, e todos dividem os caminhos, os amores, se guiam pelas mesmas estrelas, se banham nos mesmos rios. O passado é presente e o presente, a atualização permanente do que já foi e do que ainda será."
Intercalando entre diferentes tempos e cenários, Rita constrói uma intrincada narrativa na qual vamos imergir na cultura alto-xinguana e conhecer alguns de seus rituais, crenças e costumes. Ao mesmo tempo, vamos acompanhar as descobertas e inquietações de Ana a respeito do próprio corpo e de sua condição enquanto mulher. É um livro poético, bonito e, com capítulos curtos, de rápida leitura, mas não desprovido de levantar importantes debates e reflexões. Assim como a protagonista Ana, o leitor acaba sofrendo do mesmo choque cultural. Dotados de uma cosmovisão e de uma forte conexão com a natureza, os indígenas lidam de forma completamente diferente com o mundo ao redor e assuntos mais corriqueiros, como o amadurecimento, o matrimônio e a morte, ganham novos significados. Ao longo da leitura, me peguei diversas vezes refletindo o quanto nos afastamos do eu interior e o preço que pagamos pelo chamado "progresso".
"Terrapreta" é uma poderosa narrativa que nos obriga a lançar um olhar para dentro de nós mesmos e repensarmos nosso modo de vida. Além disso, a obra chama atenção e deixa um importante alerta sobre a preservação das terras indígenas, que, mais do que nunca, agonizam com o avanço de garimpeiros e madeireiros. Eu sei, dizer que uma leitura é necessária pode parecer clichê, mas não há melhor forma de descrever esse livro. Apenas leia!
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