Cynthia 17/02/2022
Até onde vai a misoginia?
França, século 17. É edificada em Paris uma grande estrutura para funcionar como prisão. O objetivo era tirar das ruas os vagabundos e mendigos, que, segundo o rei, sujavam a cidade. Logo depois, foram acrescentadas as mulheres pobres e as promíscuas. E, por fim, o centro de detenção acabou abrigando 18.000 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Em outras palavras: Paris jogava ali tudo com que não sabia lidar.
As coisas mudam ao longo do século 19. A estrutura carcerária se transforma no Hospital de la Salpêtrière, destinado a abrigar mulheres com ?transtornos psíquicos?. Na prática, era um laboratório de experimentos para neurologistas e psiquiatras. Até mesmo Freud passou uma temporada lá.
Quem comandava o la Salpêtrière era o Dr. Charcot. Ele realizava exibições de hipnose em mulheres consideradas loucas, histéricas e alienadas, para a comunidade médica da época. Ocorre que muitas dessas mulheres eram apenas inconvenientes, indesejadas ou rebeldes. Algumas não queriam se casar, outras desejavam estudar ou trabalhar, havia as que tinham ideias próprias, ou não eram submissas o bastante, ou estavam passando por uma fase melancólica, e por aí vai?
Agora, vem a parte mais surreal: uma vez por ano, em março, era realizado ?O baile das loucas?, quando as portas do hospital se abriam para a sociedade parisiense observar de perto as mulheres internadas, que compareciam usando fantasias. A nota mais cruel disso é que, para as internas, era um sopro de esperança, uma rara oportunidade de se divertirem. Já para os convidados, era a chance de fazerem chacota e ridicularizarem aquelas ?aberrações?. E para o Dr. Charcot era só mais um experimento.
A autora se apropriou desses fatos históricos para construir seu romance. A história se passa em 1885. Acompanhamos de perto 4 mulheres. Geneviève, enfermeira que lida com as internas. E as pacientes Louise, uma adolescente vítima de abuso; Thérèse, uma prostituta idosa; e Eugénie, uma jovem à frente do seu tempo.
Confesso que essa história me fez lembrar o livro ?Holocausto Brasileiro? da Daniela Arbex. Se você ainda não leu, leia, porque é parte da nossa história.
Fiquei estarrecida com esse livro. A maioria das internadas era levada ao hospital por homens que tinham o mesmo sobrenome que elas - marido, pai, irmão, filho.
?Nenhuma mulher nunca tem certeza total de que suas ideias, sua individualidade, suas aspirações não a conduzirão ao interior daqueles muros?.