spoiler visualizarMax 20/08/2023
Nós, pretos, começamos a vida nos odiando.
Uau. Esse livro definitivamente virou uma das minhas melhores leituras nesse ano. É uma história que eu queria ler há algum tempo, mas em livros com essa temática tenho a preferência de ler com calma pra poder digerir todo o conteúdo.
Acho que a Faridah fez um ótimo trabalho discutindo como todo o sistema é racista. Pessoas brancas naturalmente são racistas, não necessariamente de propósito, é simplesmente uma questão estrutural, já é uma coisa cravada na sociedade por conta do passado, e ela faz isso de uma maneira certeira, mostrando os diferentes níveis de racismo, principalmente nas microagressões, tipo quando o Jamie ficou olhando muito pro cabelo da Chiamaka quando ela não fez chapinha. Também na cena com o Jack onde ele fala que tem que "trabalhar mais" porque o Devon tem cota, me lembrou a famosa frase "Quando você já está acostumado com privilégios, igualdade de direitos soa como opressão". Li algumas resenhas e lembro de ter lido que esse livro só tinha questão racial até 70%, uma coisa que eu não concordo, considerando que o plot inteiro dele é justamente sobre o sistema ser racista, a questão tá presente do início ao fim, até no epílogo.
A história faz um trabalho tão bom em criar desconfiança que toda interação com os personagens principais faz com que a gente tenha um pé atrás com todo mundo, fato que faz algumas "traições" não serem tão surpreendentes, o que na minha opinião chega a ser pior, porque te dá a vontade de estar errado, mas no final a decepção é inevitável. Apesar disso, muito do plot é aproveitado e te deixa chocado.
Falando individualmente sobre os personagens, Devon, assim como Chiamaka, possui muitas camadas, o envolvimento dele com Dre, o passado envolvendo o pai dele, o esquecimento em relação ao Terrell, as dificuldades da Ma sendo mãe solteira e a amizade dele com o Jack são tópicos extremamente sensíveis, é tudo muito doloroso, ainda mais quando você pensa que a escola era um dos lugares onde ele podia meio que fugir dos problemas e que agora já não é mais um ambiente saudável pra ele. É palpável o quanto o psicológico dele tá sendo destruído aos poucos.
Chiamaka sempre deixou claro que não tem problema nenhum em usar as outras pessoas pra chegar onde ela quer, porque se ela não usar as cartas que ela tem na manga, é impossível ela conseguir o status que deseja. A evolução da Chi durante o livro é muito satisfatória de se ver, é triste que tenha acontecido sob essas circunstancias, mas foi ótimo ver ela descobrindo um pouco mais de si mesma e reunindo coragem pra enfrentar os demônios dela.
É muito fácil se identificar com os dois personagens principais, Devon fala sobre como as vezes ele tá tão focado no próprio mundo que nem percebe coisas óbvias e Chiamaka fala sobre ser boa em desempenhar um papel, sempre fazer os outros pensarem que é a melhor.
Algumas coisas que tanto Devon quando Chiamaka falam, mostram como viver em um ambiente cercado de pessoas brancas deturpou a visão deles em relação a sociedade de alguma forma, como o fato da Chiamaka sempre ficar reafirmando que ama a cultura dela, mas nunca de fato se deixando ser vista usufruindo da tal cultura, e como o Devon a princípio não ficou 100% convencido do discurso que o Tarrell deu sobre racismo estrutural.
Os dois são o completo oposto um do outro, Chi tem dinheiro, é mais sincera e extrovertida e também muito otimista, já o Devon tem muitas dificuldades financeiras, é mais resguardado e bem mais pessimista, se os dois não fossem alvos, teria 0 chances deles serem amigos.
A única coisa que eu gostaria de ter recebido era um desfecho pro Dre e pra Belle, já que a história deles fica meio em aberto. Deu a sensação de esquecimento.
Por último, sempre gosto de ouvir uma playlist quando leio, então tenho que agradecer a Faridah, porque ela mesmo fez a playlist e acho que as escolhas foram maravilhosas, ainda mais com a última música sendo "Dog Days Are Over".