Vania.Cristina 28/05/2024
Robôs que geram crianças e preservam o futuro
Esta é uma HQ de ficção científica que apresenta a humanidade vivendo um futuro distópico.
O personagem que desencadeia a história é Yves Mathon, funcionário do setor de arquivos digitais. A humanidade já produziu conteúdos em larga escala, tornou-se impossível assistir a todos os filmes e ler todos os livros desejados. Para resolver os problemas de espaço nos arquivos que reúnem toda a produção humana, autoridades decidem frequentemente quais arquivos deverão ser destruídos. Afinal, o uso das redes sociais exige cada vez mais espaço no mundo digital, e velhos conteúdos precisam ser apagados para dar lugar a novos. Yves é quem está encarregado de deletá-los, e sempre fica profundamente incomodado quando recebe ordens de apagar a arte de antigos mestres.
Yves é casado com Emy, que trabalha editando filmes, alterando dados que os algoritmos consideram necessário alterar.
Eles estão esperando um bebe, mas para que as mulheres não tenham seus corpos deformados, os bebês dessa época são gerados num útero artificial de um robô doméstico. O robô do casal Mathon chama-se Mikki. Ele é programado para servir de babá quando a criança nascer, cuidar e amparar.
No começo da história descobrimos que Yves está roubando os arquivos que deveriam ter sido destruídos e escondendo-os em casa, dentro de Mikki. São obras que ele acha bonitas demais, dentre elas as poesias completas de Auden e o filme 2001 Uma Odisseia no Espaço de Kubrick. Para a sociedade da época, o que Yves está fazendo é considerado crime gravíssimo, motivo de prisão. Ao mesmo tempo, ele também está sutilmente sacando dinheiro no banco, de tempos em tempos, e escondendo no robô, o que também é ilegal.
Enquanto isso, o bebê cresce no ventre de Mikki, e já sabemos que é uma menina, saudável e protegida.
História fascinante, prende a atenção do começo ao fim. A arte também é bonita, com designer futurista em vestimentas, equipamentos eletrônicos e robôs. As coisas são bastante próximas da nossa realidade, o que é perturbador: inteligência artificial, excesso de informação, futilidade, valores vazios, controle pasteurizado feito pelos algoritmos, autoritarismo, burocracia, etc. Além disso, o livro apresenta algumas reflexões filosóficas interessantes como a inevitável finitude das coisas, talvez até mesmo da arte. O robô Mikki com certeza é o melhor personagem. Amoroso, sensível, prático e inteligente, Mikki sabe falar com os pássaros e sobreviver em meio à natureza. Tem sentido aguçado de humanidade e lealdade, além de sabedoria para transmitir valores importantes.
Algumas cenas são cinematográficas. Não seria de estranhar se a HQ logo virasse filme. O final é aberto com sutileza. Tanto é possível que a história tenha desdobramentos, quanto tudo pode ser deixado para a imaginação do leitor. Recomendadíssimo para os amantes de ficção científica.