João Pedro 12/05/2022Violência cíclicaEscrevo essa resenha alguns dias depois do dia em que se comemoram as profissionais de jornalismo. Um dos apontamentos que fiz ao longo da leitura de “Cada um carregue sua culpa: crônicas das guerras do nosso tempo” foi: por que Francesca Mannocchi se meteu no meio de um território altamente conflituoso como o Iraque pós-guerra? O que a fez parar em Mossul, no olho do furacão de uma luta sangrenta entre defensores do Estado Islâmico e o exército iraquiano? Por um tempo sustentei a ideia de que somente um ato de loucura justificaria uma escolha dessas. Ao pesquisar sobre a autora, porém, percebi que todas as minhas indagações se respondiam com uma única e categórica sentença: Francesca Mannocchi é uma jornalista.
Conhecida por documentar algumas das guerras do nosso tempo, Francesca relata, neste livro, as consequências das várias guerras no Iraque. As guerras vividas pelos soldados do exército iraquiano, as guerras vividas pelos mujahidin (combatentes do Estado Islâmico) e as guerras vividas pelos civis, familiares de ambos os lados. De uma maneira completamente imersiva, intercalando sua narração com relatos de outras pessoas, a autora faz-nos sentir no meio do conflito e faz-nos sentir muito: a dor, o sofrimento, a angústia, a revolta, a raiva e o desejo de vingança e retaliação que tomam conta do território iraquiano, preso em um ciclo sem fim de violência.
É um livro potente e que demanda pausas longas para respirar; ao mesmo tempo, prende tanto que só se quer ler mais e mais. A guerra na Ucrânia já tem me feito pensar sobre tantas outras guerras que ainda existem no mundo e que afetam tantas pessoas, mas que não ganham tanta visibilidade. Com essa leitura eu só tenho pensado mais e mais nisso. Cru e real. Pesado.
“Uma pessoa obrigada a viver em um espaço imóvel não é imóvel, cresce na vertical, cresce em profundidade. Deixa germinarem as sementes das pulsões violentas. Busca uma razão e uma vingança.” (p. 185)