Lisa 22/10/2023
Gótico e Nordestino SIM!
Conheci o Cristhiano Aguiar através da Bienal de Salvador, na roda de conversas sobre narrativas de terror nordestino. Lembro de ter ficado muito empolgada com essa temática, havia recentemente lido, na época, "Nova Jaguaruara", cuja a nordestinidade atrelada ao horror soou tão autêntica e inédita para mim, que me conquistou. Foi assim que cheguei ao Gótico Nordestino e o porquê escolhi relê-lo esse mês.
Contudo, esperar que fossem a mesma experiência foi uma construção de expectativa equivocada. Em Nova Jaguaruara temos elementos estereotipados do quadro nordestino geralmente pintado. Em o Gótico Nordestino isso não ocorre, na verdade, nada nesse livro é óbvio ou caricato, Cristhiano nos leva além, faz com que procuremos o horror no lugar comum e por isso corre o risco de a primeira vista nos enganar. Como ocorreu com muitos ao defini-lo como pouco nordestino e nada Gótico.
Gótico Nordestino É gótico, porque o horror toma formas diferentes, não precisa gritar terror, não precisa ser banhado de sangue, monstros e jumpscares. O gótico é um ambiente construído e nele tudo cabe. Temos aqui um terror de atmosfera, o medo se insinua vagarosamente, menos pelo uso de seres assustadores e mais pelo despertar da consciência sob o perigo e o grotesco. É o espaço que começa a se tornar denso, são as vozes e neuroses dos protagonistas que começam a tomar forma. Como no conto Tecidos de Jardim.
A presença do realismo mágico/fantástico foi algo que particularmente me conquistou. "Anna e seus insetos " tem uma narrativa tão psicodélica, tão Junji Ito em palavras. "As Onças" me ganhou com a facilidade do autor em encurtar a distância e humanizar esse "monstro". Para além disso, há ainda o senso político que aparece em cada conto, "As onças" e suas querelas com a pandemia, "A mulher dos pés molhados" ao quebrar a visão sudestina de um nordeste lento e paradisíaco, "Firestarter" ao alfinetar o desgoverno bolsonaro e a tremenda alienação gerada.
Junto a isso, é preciso destaque para os contos "Lázaros", "A noiva" e "Vampiro". Gosto de resenhar passado algum tempo para ver o que do livro realmente me fica e, esses contos não saem de mim. Temos elementos típicos do gênero, o morto-vivo, mas que aqui não só se afasta do gore, como reinventa essa história. É como se Cristhiano abrisse uma janela para vermos o que já existe por um ângulo novo, com lentes novas. A Noiva com aquele corpo morto que nada fez e ainda assim, que tanto fez em sua não existência existente, o Vampiro e sua trama que termina tão psicológica, são geniais.
O Gótico Nordestino não é nordestino o suficiente? Se assim lhe parece, só posso pedir que reveja que nordeste é esse que guarda em seu imaginário, porque o Nordeste real não tem uma cara, não é uma massa homogênea, tem sotaques diferentes, culturas e subculturas únicas. Não é formado de chapéu de cangaceiro e cactos, de oxentes e visses, transcende a isso. E se lhe parece pouco atemorizador é porque o horror mora aqui, a noite e a luz do dia, no dia-a-dia da nossa realidade latino americana.