Livros da Julie 26/02/2022Quando uma mentira vai longe demais-----
"O problema de se apaixonar é que, a menos que (...) [ele] também caia de amores, você cai sozinho."
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"Ir para o lado errado da lei é mais fácil do que jamais sonhei possível."
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Mentiras incendiárias foi o livro do mês de janeiro da leitura coletiva da Faro Editorial promovida pelo @clubeliterarioferavellar (#ClubeLiterarioFerAvellar).
Hannah e seus amigos estavam ansiosos para curtir o verão. O clima quente e seco estava mais do que convidativo para um bom mergulho no lago Gap, mas também era altamente propenso a causar queimadas de grande magnitude.
Todos eles sabiam do perigo que poderia advir de uma única fagulha, principalmente Hannah, que era filha do xerife da cidade. No entanto, ninguém está livre de falhas. Quando um descuido provoca um incêndio devastador, eles se veem impelidos a encobrir seus atos e evitar serem pegos a todo custo. As mentiras, porém, corroem mais do que o fogo e em pouco tempo a amizade que unia esses jovens estará ardendo em chamas.
A autora conseguiu criar um thriller psicológico young adult com maestria. Com um enredo sólido e sem reviravoltas mirabolantes, Jennifer manteve uma tensão crescente ao longo de todo o livro, construindo uma trama extremamente envolvente e angustiante. Não há um único capítulo que não nos deixa com o coração na mão.
O tema dos incêndios florestais já é suficientemente trágico e doloroso. Apesar de não sofrermos habitualmente com esse tipo de calamidade próximo a áreas urbanas no Brasil, temos conhecimento da catástrofe que eles representam para a natureza e da terrível destruição que eles causam em regiões de risco como a Califórnia. Os relatos anuais dessas fatalidades são desesperadores e a autora foi muito fidedigna em suas descrições e na cronologia dos eventos. A ação dos bombeiros, o pânico da população, a narrativa rápida, tudo contribui para o perfeito clima de pavor e aflição que cerca os personagens e que também nos consome, como se estivéssemos imersos em uma situação real e testemunhássemos o desenrolar do desastre.
Muita da ansiedade que o livro nos faz sentir, no entanto, está relacionada às ações tomadas pelos amigos. Dentro da lógica fatalista e extremista que só um adolescente possui, eles fazem as piores escolhas possíveis na ingenuidade de achar que elas salvariam suas vidas, quando o mais provável é justamente o contrário. A inquietação que afetaria um adulto é elevada à décima potência e os detalhes mais irrelevantes para o problema são justamente aqueles a que os jovens mais se apegam.
As paixões platônicas também são um aspecto importante da trama e o que mais acontece nessa fase da vida é confundirmos os sentimentos. Ficamos doentes de paixão e achamos que isso é o mais puro amor e tomamos o carinho de uma amizade por um sinal de paixão recolhida. Qualquer abraço apertado, olhar mais profundo, ou toque inesperado parece ser um indício claro de uma grande afeição. Essas falsas "evidências" nos levam a uma espiral de emoções enganosas que só resulta em sofrimento. Na tentativa inconsciente de proteger nosso coração, nos iludimos com um final feliz e é aí que mora o perigo. A crença irreal dá lugar ao fanatismo e à obsessão, que podem levar uma pessoa a ficar cega ao bom senso e a cometer loucuras em nome de um pretenso amor.
A mentira é o começo de tudo e é o início do fim. No momento em que é dita, parece razoável e inocente, até justa. Contudo, sem que se perceba, ela cresce e se torna um fardo. Mais mentiras são "necessárias" para suportar a primeira e elas se avolumam, tornam-se tão naturais quanto respirar. Nada nunca mais volta a ser o mesmo. Pode-se até fugir das consequências dos atos, mas não se pode evitar a eterna sensação de culpa e o peso esmagador do remorso.
Acompanhar os desdobramentos da história sem surtar e parar seguidamente para recobrar o fôlego é tarefa para os fortes. A protagonista desafia nossa serenidade e paz de espírito página após página. A todo momento esperamos por temíveis revelações e, mesmo imaginando o que poderia acontecer, ainda somos surpreendidos. O livro termina, mas a história continua a ressoar em nossa mente. A tranquilidade, assim como a verdade, uma vez perdida, é difícil de ser recuperada.
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