Alê | @alexandrejjr 12/06/2022
Ferocidades
Moacyr Scliar é um escritor de grandeza imensurável. Gaúcho, judeu e exímio ficcionista, ele é um clássico a ser redescoberto. Autor de romances deliciosos como “O centauro no jardim” e “A mulher que escreveu a Bíblia”, Scliar publicou em 1981 esta novela que causou um alvoroço de proporções estratosféricas apenas em 2001 quando o canadense Yann Martel lançou o seu “As aventuras de Pi”.
Não. Eu não vou dissecar a polêmica rasa a respeito do livro e vou dedicar a esta discussão apenas este parágrafo. E digo o seguinte: os dois livros são completamente diferentes. Nunca li a obra de Yann Martel, mas vi algumas vezes a belíssima adaptação do sempre interessante Ang Lee (que, dizem as boas e as más línguas, é um filme muito fiel ao seu material de origem). Além disso, li, nesta edição da L&PM, os textos introdutórios do próprio Moacyr Scliar e da professora Zilá Bernd, que são extremamente elucidativos a respeito do burburinho existente entre os dois livros. Um é uma novela, o outro um romance. Um é uma metáfora, uma fábula sobre o nazismo. O outro é sobre as questões que envolvem a espiritualidade e as religiões. O que ambos têm em comum, então? A relativização do conceito de verdade, a migração para a América e, é claro, o motivo de toda a polêmica: as cenas absurdamente idênticas de um imigrante - um alemão no caso de Scliar, um indiano no caso de Martel - que vai lutar pela sobrevivência em um bote (ou escaler, no caso do gaúcho) na companhia de um felino (um jaguar, na história do brasileiro, um tigre-de-bengala, na narrativa do canadense) após um naufrágio. E é isso. Esses são os únicos elos entre as duas histórias. E no fim de tudo, isso é o que basta saber.
Misto de real maravilhoso com ficção histórica, “Max e os felinos” é um alerta sobre as ferocidades que nos cercam, sejam elas animais, metafísicas ou políticas. Scliar aborda com extrema concisão e lucidez invejável a questão nazista nesta novela e prende a nossa atenção dando aos leitores apenas informações essenciais para acompanhar a história. Como todo escritor memorável, Scliar sabe escolher as palavras certas para o que deseja contar, algo que ele - e muitos outros - reforçou inúmeras vezes enquanto estava vivo. Afinal de contas, a famosa lei de Lavoisier se encaixa tão bem na literatura quanto na química: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.