jota 25/11/2021ÓTIMO: romance e luta social em meio às transformações industriais na Inglaterra do século XIX Lido entre 07 e 22/11/2021. Avaliação da leitura: 4,7/5,0
Interessei-me mais por Norte e Sul (1855) após a leitura de uma resenha (com alguns spoilers, mas não me importei muito com isso) de Luiz Ruffato, autor do interessante Eles Eram Muitos Cavalos, que li e comentei em 2014. Para ele o livro de Elizabeth Gaskell (1810-1865) é uma obra-prima da literatura inglesa do século XIX. Tem como pano de fundo a Revolução Industrial, fenômeno de largas consequências no meio social, político e econômico de então e depois. Ganha relevância no livro por interferir de modo profundo na vida de seus personagens principais. Ruffato destaca as várias qualidades da obra e também reclama que Gaskell é pouco divulgada no Brasil, mesmo entre o público universitário e especialistas em literatura. Ele tem razão, claro.
Norte e Sul é uma história de amor que demora um tanto para acontecer, porque durante grande parte da narrativa não rola lá muita química seus dois personagens centrais. Principalmente por conta das diferenças de ideias e ideais entre eles, também por alguns mal-entendidos que vão surgindo ao longo da longa trama e que demoram para ser devidamente esclarecidos. Margaret Hale, filha de um ex-pastor, moça de fortes opiniões vem com a família do sul da Inglaterra, do pacato, rural e bucólico vilarejo de Helstone, residir no norte, numa cidade industrial, onde o pai será professor. John Thornton é produtor e comerciante de tecidos de algodão em Milton, a enfumaçada, suja e violenta (para Margaret e outros) cidade do norte, homem que não tem muita habilidade para tratar com seus operários quando eclode uma greve; ele parece ser governado pela mãe viúva e logo se apaixona por Margaret, contrariando a matriarca. Margaret e Thornton têm visões muito diferentes sobre questões trabalhistas e outras, estão quase sempre em oposição. Outra coisa que impede o bom relacionamento entre eles é que Thornton, devido a um episódio que presenciou certa noite, mas desconhece verdadeiramente seu significado, durante longo tempo acredita que Margaret o despreze por estar apaixonada por outro homem.
Naquilo que tem de romântico, momentos de amor e desamor, que me pareceram bem poucos frente ao restante da trama, pois o livro é bem volumoso, Norte e Sul lembra apenas vagamente as histórias de uma antecessora de Gaskell, a conhecidíssima Jane Austen (1775-1815), com quem é associada algumas vezes. Erroneamente, segundo alguns comentários que li aqui e ali, se Norte e Sul for comparado a, por exemplo, Orgulho e Preconceito, mas não me aprofundei nessa questão. Naquilo que tem de denúncia, das condições deploráveis em que trabalhavam e viviam os operários e parte dos habitantes da poluída Milton, situação que toma muitas páginas do volume, podemos associar essas passagens a algumas narrativas de Charles Dickens (1812-1870), contemporâneo e editor de Gaskell, porque ele tratava com maestria o problema de crianças vulneráveis e dos desfavorecidos da sociedade inglesa de sua época.
Mas como li Middlemarch (1872), de George Eliot (1819-1880), ótimo livro de mais uma autora inglesa nem tão lida assim por aqui, penso que pela análise que tanto ela quanto Gaskell fizeram, cada uma à sua maneira, da sociedade inglesa do século XIX, as duas se tornaram autoras de importância fundamental para quem deseja conhecer um pouco mais tal período – e alguns aspectos da Revolução Industrial, no caso de Norte e Sul – sem precisar mergulhar em livros acadêmicos de história. Fora isso, há muitas observações interessantes que elas fazem sobre a vida dos personagens, seu crescimento moral e intelectual (ou o contrário também, algumas vezes). Em Milton e depois em Londres, ao mesmo tempo em que se impõe frente aos homens que a rodeiam, Margaret se vê obrigada várias vezes a rever suas opiniões e mesmo seu preconceito contra o norte industrial, enquanto o sul de sua infância e mocidade povoam constantemente seus pensamentos. É também tempo de ela rever seus sentimentos em relação ao galante Mr. Thornton, por quem sempre se sentiu atraída, até mesmo quando o repelia. Mas até que tudo isso ocorra, muita água (ou fumaça, se pensarmos apenas em Milton) ainda irá rolar nessa história bastante interessante. Se bem que excessivamente longa e com certas passagens maçantes, umas poucas...
Durante a leitura acompanhei a minissérie em quatro capítulos, com duração de quase quatro horas, que a BBC produziu em 2004, que é muito boa, como costumam ser as produções da emissora britânica. Está disponível, nesta data, no site do Dailymotion, com legendas fixas em português (algumas com pequenos erros, mas que não comprometem o entendimento, claro). Tem todos os episódios e acontecimentos do livro, porém de forma resumida ou então rapidamente exibidos, e também com algumas modificações porque senão sua exibição tomaria tanto tempo quanto uma telenovela brasileira, duraria vários meses. Vale a pena ler o livro de Gaskell e ver a minissérie homônima. E também procurar conhecer outros livros dessa talentosa escritora. Vou tentar fazer isso mais à frente.