O Processo Penal Brasileiro na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

O Processo Penal Brasileiro na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Paulo Roberto Incott Júnior...




Resenhas - O Processo Penal Brasileiro na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal


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Paulo Silas 02/07/2023

Espera-se da política criminal, em um Estado Democrático e Constitucional de Direito, que estabeleça de modo claro o programa através do qual o Estado pretende resolver a difícil equação entre liberdade e segurança. Ainda que outras formas de política pública também se debrucem sobre esse sensível equilíbrio, é certo que a política criminal é o lugar de excelência em que o Estado revela seus traços mais autoritários ou democráticos.

Dentro do espectro de decisões que perfazem a política criminal do Estado estão questões como a definição das condutas que receberão a sanção mais severa admissível nas normas de Direito, a saber, a restrição direta e corporal da liberdade e de outros direitos fundamentais de modo sistemático pelo Estado. Também engloba a política criminal a eleição dos bens jurídicos merecedores da tutela penal, assim como os parâmetros através dos quais a retribuição pela prática do injusto penal será mensurada nos casos individuais, ainda que se faça isso, obviamente, de modo abstrato e em certa medida de modo genérico. Cabe ainda à política criminal o exame e concretização de medidas preventivas que não recorram ao uso do poder punitivo em si. Essa é uma faceta importante da política criminal que por vezes é deixada completamente de lado por aqueles que são responsáveis por seu desenho institucional e programático.

Decorre destas funções sensíveis atribuídas à política criminal seu papel central em termos de exame do sistema jurídico-penal em um determinado contexto. Como bem colocam ZAFFARONI e PIERANGELI, a política criminal “proporciona os argumentos para criticar” as decisões governamentais acerca do fenômeno criminoso. Pode-se afirmar que a política criminal opera na clivagem entre a política e o direito, uma vez que decorre de decisões políticas, mas coloca em vida normas jurídicas que servirão de apoio para todo funcionamento do sistema jurídico-penal, desde sua apreciação para a instauração de uma investigação até a interpretação desta norma pelo Poder Judiciário, tendo em vista situações e pessoais reais. Como se poderá notar nos capítulos da presente obra, essa relação entre o político e o jurídico no tratamento do fenômeno criminal adquire ainda maior complexidade diante do desenvolvimento teórico e prático da jurisdição constitucional contemporânea, uma vez que precisa agora levar em conta as manifestações das cortes superiores, no caso do Brasil o Superior Tribunal de Justiça e, de modo especialmente problemático, o Supremo Tribunal Federal. Essas duas novas esferas de poder político e jurídico, possuindo a última a pretensão de “dar a palavra final” sobre situações concretas, terminam por redesenhar a política criminal nos diversos níveis de sua aplicação.

Como regra, a política criminal deve ser desenhada por parlamentares eleitos democraticamente, uma vez que isso garantirá, na melhor medida possível, que as decisões atinentes a direitos fundamentais possam ser delineadas no seio de um debate que tome em conta interesses e formas de condução de vida diversos, representados no poder de voto de cada parlamentar em determinado projeto normativo. Naturalmente esse é um modelo ideal, com frágil correspondência com a realidade, como é notável no Brasil.

Infelizmente, a realidade aponta para um cenário bastante distinto dessa visão racional de gênese normativa em matéria penal, ou mesmo da gestão da política criminal em termos de execução das penas restritivas de liberdade.

Impende ainda mencionar que a política criminal se insere como espécie do gênero políticas públicas. Estas, enquanto categoria, vem sendo definidas como um

"programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial - visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados".

Estes “objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados” não podem ser diferentes, ou ao menos não podem contrariar, aqueles determinados como objetivos constitucionalmente instituídos para a República Federativa do Brasil, conforme versa o art. 3º da CF/88, a saber: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Naturalmente, no nível retórico, qualquer política criminal pode se afirmar como perscrutadora, por exemplo, da “construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, quer esta política seja de recrudescimento penal, mesmo que a partir de fragilizações de garantias individuais, argumentando a partir do valor social da segurança pública, quer seja uma política de desencarceramento, fundada na ideia de redução de danos e eliminação da tortura e do tratamento desumano tal qual se observa hoje no sistema penitenciário brasileiro. Isso significa que a colocação de um argumento decisório, inclusive judicial, não pode ser calcada unicamente na ideia de fazer parte de determinada política pública. Em resumo: o Estado de Direito deve ter por marca não aceitar qualquer política pública sob argumentos de autoridade ou sob a retórica de busca do “bem comum”, dos “interesses da sociedade” ou outra abstração similar.

Porém, o foco do presente estudo é outro. Cuida em analisar a forma como a política criminal é definida, não a partir dos impulsos gerados pelo Congresso Nacional, seu locus legítimo e natural, mas pela via judiciária. De modo mais específico, cuida em examinar o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil na determinação final da política criminal brasileira em determinados aspectos e em determinadas circunstâncias. Esse exame ganha relevância na medida em que o STF tem se mostrado bastante disposto a agir de modo protagonista em matéria criminal, enunciando inclusive um discurso aberto de combate a determinadas formas de criminalidade em anos recentes.

Os autores que contribuíram com essa que se espera seja apenas a primeira edição da obra foram convidados pessoalmente pelos organizadores em virtude não apenas de seu profundo conhecimento sobre os temas relacionados ao processo penal e à jurisdição constitucional, mas também pelo fato de demonstrarem forte apego por ideais democráticos, não apenas em sua produção acadêmica, mas também na sua atuação profissional. Liberdade foi dada para que cada autor pudesse escolher a decisão ou a matéria específica que seria abordada, desde que estivesse diretamente relacionada com a temática geral da obra, a saber, a análise crítica da forma como o Supremo Tribunal Federal vem tomando decisões capazes de transformar (quando não inaugurar por completo) a política criminal brasileira repercutindo em diversas nuances de ordem penal e processual penal que exigem um olhar crítico e atento.

Espera-se que as leitoras e leitores desse material se sintam motivados a refletir com profundidade no problema central que guiou a escrita desses capítulos e sintam com isso o desejo sincero de contribuir com esse debate, quem sabe proporcionando material para as próximas edições do livro. Os organizadores agradecem imensamente a cada autora e autor que contribuiu para com a construção desta obra, certos de que suas lições serão sempre recordadas e contribuirão indelevelmente para que possamos um dia afirmar com segurança que vivemos em um país verdadeiramente democrático, com regras postas que reflitam de modo seguro direitos fundamentais inegociáveis.

PAULO INCOTT JR. e PAULO SILAS FILHO - ORGANIZADORES (APRESENTAÇÃO)
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