Vitória 27/07/2023
Tem uns spoilers aqui
Eu não sou a pessoa dos livros do hype, mas sou a pessoa da fantasia. Quando todo mundo começou a falar dessa trilogia, ainda quando ela não tinha sido publicada por aqui, eu já sabia que ia ler, mas fiquei com aquele pézinho atrás que sempre aparece do medo de não gostar de livros bombados nas bookredes. Confesso que li ele antes do que esperava, e não chegou a ser uma leitura péssima, mas levando em conta que essa é uma obra de fantasia, ela não consegue sequer ficar acima do mediano. Ainda estou procurando a genialidade que todo mundo disse que existia aqui.
Vou começar pelas partes positivas, porque elas existiram. A autora sabe como fazer construção de personagem. A gente se apega à Rin logo de cara, e é clara a evolução dela durante a história. Ela começa sendo uma órfã do interior do fim do mundo, que se mata de estudar pra passar num Enem da vida e fugir do destino que estava traçado pra ela naquele lugar. Depois a coitada se vê numa escola de elite, onde todo mundo tem mais preparo e dinheiro do que ela, e precisa se desdobrar em quatro pra conseguir se manter ali, tudo isso enquanto sofre bullying. É impossível não ter o mínimo de identificação com ela. Além disso, gosto que a personagem em momento algum é mostrada como a fada sensata, aquela que sabe o que está fazendo. Ela é uma jovem que comete erros e age por impulso em diversos momentos, mas o mais importante é que todos esses erros têm consequências em sua trajetória, e ela aprende com eles. É uma evolução muito verdadeira de uma personagem que é, acima de tudo, humana.
A primeira parte, onde acompanhamos a Rin na escola, poderia ter se tornado monótona, mas isso não aconteceu porque o apego que eu tinha à personagem me fez torcer por ela e ficar interessada no que aconteceria a seguir. Eu estava com saudades de fantasias com esse tipo de estrutura, mas é aquilo, nesse quesito não temos absolutamente nada de inovador. As histórias onde os protagonistas tinham um período de formação em seja lá qual espaço existiam aos montes há 10 anos atrás (O Nome do Vento, Harry Potter e Percy Jackson não me deixam mentir), e só deixaram de ser publicadas em grande escala porque esse formato saturou. A única coisa que a autora fez aqui foi retomar algo que já dava certo e inserir um tom mais adulto. Aliás, pra efeitos de comparação, O Nome do Vento faz isso muito melhor do que A Guerra da Papoula.
A parte da guerra foi muito bem trabalhada. A Rin entra aqui com 18 ou 19 anos, e acho que a autora soube retratar o que uma personagem com essa idade faria em momentos assim. Ela tem uma maturidade um pouco avançada pra sua idade, por ter passado por tudo o que ela passou, mas no fim das contas não deixa de ser uma jovem, e de novo, ela comete muitos erros. A diferença é que aqui nós vemos esses erros terem consequências maiores, já que estamos em uma situação extrema, e isso me fez ter raiva da personagem em vários trechos, pelas burradas que ela faz, ao mesmo tempo em que eu a entendia, porque sei que a Vitória de 18 anos, em um contexto parecido, talvez tivesse tomado o mesmo caminho. Além disso, mais para o final, a autora deixa isso ainda mais complexo, mostrando a Rin como uma pessoa que não é necessariamente boa. Acho que já deu pra perceber que quase tudo de bom que achei nesse livro se deve à Rin.
Eu tinha consciência do aviso de gatilhos no início do livro, e até não me preocupei muito com ele, porque, como leitora voraz de romances dark, eu achei que tinha estômago pra aguentar, mas não tive. Como é algo que acontece depois da metade do livro, eu cheguei a esquecer, pensando que, já que nada de tão pesado tinha acontecido até então, não iria mais acontecer. E realmente, é algo pontual, que só é descrito em detalhes cerca de dois capítulos, e que depois tem, obviamente, consequências para protagonista e para aqueles que a acompanham, mas que a partir daí não é mais tão gráfico. Mesmo assim, eu passei mal enquanto lia as cenas, e precisei de algumas horas longe da história pra conseguir voltar pra ela. Acho que nunca tinha lido algo tão gráfico assim antes. Por isso, se atentem aos avisos de gatilho, e não leiam esse livro se tiverem qualquer sensibilidade a eles.
Os personagens secundários são incríveis, ainda que não tenham a mesma atenção nem o mesmo destaque da Rin. Eu me apeguei a vários deles, e senti que conhecia alguns muito bem. Até os da escola, que não criam um contato tão forte com a Rin pelo fato dela ser excluída, e que eu senti que serviram basicamente pra morrer e trazer peso pra narrativa durante o trecho da guerra, me encantaram. Kitay é o meu amorzinho, tá certíssimo em estar put0h com a Rin, e espero vê-lo nos próximos volumes. Nezha teve uma redenção genial, a autora ainda teve a audácia de me fazer chorar duas vezes com a morte dele. As crianças bizarras são os meus xodós, amo como todos eles formam uma família sendo tão diferentes uns dos outros, e estou curiosa pra saber como todos irão reagir nos próximos livros depois de tudo o que a Rin desencadeou e da morte do Altan. Inclusive, ainda não aceitei essa morte, estou esperando o bonito dar as caras em um momento de dificuldade mais pra frente. Foi uma cópia barata do Kelsier na primeira era de Mistborn? Com certeza, mas como eu gosto muito dele, esse pano eu consigo passar.
Agora vamos ao grande ponto negativo, que deveria ser algo importantíssimo em histórias assim, mas que aqui não recebeu atenção: a autora não sabe desenvolver fantasia. Eu entendi que a Rin e as crianças bizarras acessam os deuses pra conseguir ter poderes, mas tudo o que eu aprendi em mais de 500 páginas acaba por aí, e isso não pode acontecer num primeiro livro de trilogia, que tecnicamente serviria pra nos apresentar a esse mundo diferente do nosso. Existem sim conversas da Rin com o Jiang e com o Altan sobre seus poderes, como acessá-los e as consequências que eles podem trazer pra ela, mas esses diálogos são muito rasos, sem falar que os dois se contradizem em quase tudo, e a autora não teve a decência de me falar qual deles estava certo. Isso também acontece com os trechos sobre a história desse país. Eu não consigo nem contar quantas versões diferentes eu li de quem ganhou a guerra da papoula, e de novo, a autora não me fala qual delas é a verdadeira. Pra mim, um livro de fantasia sem a parte fantástica bem desenvolvida, não passa de uma narrativa medíocre. Com certeza irei me arrepender dessa nota mais pra frente, mas acho que o livro merece por ter personagens tão bons. Tirando o meu lado fofoqueira, que me faz continuar lendo séries só pela curiosidade, eu não tenho interesse quase nenhum em levar essa trilogia pra frente, mas como já tenho o segundo aqui, e ele foi caro, vou me obrigar a seguir em frente. Só espero que melhore e que a autora consiga corrigir alguns dos seus erros.