bubuletta 22/04/2024
Você quer mesmo entrar para está ciranda?
"Ciranda de Pedra", de Lygia Fagundes Telles, é uma obra literária que se destaca pela sua profunda sensibilidade e pela habilidade da autora em retratar as complexidades das relações humanas e as nuances da psique feminina. Através da história de Virgínia, somos levados a explorar os dramas e conflitos de uma família desestruturada, cujas feridas são profundas e impactam gerações.
Desde a infância, Virgínia é confrontada com a loucura de sua mãe, Laura, a ausência afetiva de seu "pai" e o distanciamento de suas irmãs. A narrativa se desenrola em torno das tentativas de Virgínia de encontrar seu lugar em um ambiente familiar caótico e em uma sociedade burguesa hipócrita e superficial.
Dividida em duas partes, a obra nos apresenta Virgínia ainda criança, com uma visão inocente e imatura dos conflitos familiares, e posteriormente como uma jovem adulta, refletindo sobre os impactos dessas experiências em sua formação e amadurecimento. A Virgínia-criança que tanto queria entrar para a ciranda, finalmente a vê pelo o que ela realmente é. A cada volta da ciranda, ela se confronta com as complexidades de suas relações familiares e sociais, enfrentando desafios e descobertas que moldam sua jornada de autodescoberta em meio a um mundo repleto de desilusões e desafios.
Através de um elenco de personagens bem construídos e complexos, como as irmãs Bruna e Otávia, os rapazes Afonso e Conrado, e Letícia, Lygia Fagundes Telles nos oferece uma análise profunda das relações interpessoais e das máscaras sociais que as pessoas frequentemente usam para esconder suas vulnerabilidades e inseguranças.
A profundidade psicológica presente na narrativa é um dos pontos altos do livro, consagrando a autora como "a grande dama da literatura brasileira". O uso magistral do fluxo de consciência nos permite acessar os pensamentos mais íntimos de Virgínia, revelando suas lutas internas e suas tentativas de compreender e aceitar a si mesma e aos outros ao seu redor.
A temática do lesbianismo também é explorada, contribuindo para enriquecer a complexidade e a profundidade da história. Foi uma surpresa por conta da idade do livro não estava esperando; a novela produzida pela globo foge bastante do livro, a adaptação é só licença poética. Apesar disso gosto muito das duas obras.
Contudo, é importante mencionar que a obra apresenta passagens impregnadas de racismo, especialmente em relação à personagem Luciana, a empregada negra da casa de Laura e Daniel. Embora essas representações sejam reflexo do contexto histórico e social em que o livro foi escrito, eu revirei muito os olhos, é fundamental abordar esses aspectos críticos com uma análise cuidadosa e crítica.
Em suma, assim como na ciranda, onde os dançarinos se movem em harmonia e desalinho, "Ciranda de Pedra" nos convida a refletir sobre as danças da vida, os encontros e desencontros que experienciamos, e as transformações que ocorrem enquanto navegamos pelos círculos que compõem nossa existência. Uma obra-prima que continua relevante e atual, desafiando-nos a refletir sobre as complexidades da condição humana e os caminhos tortuosos que percorremos em busca de amor, aceitação e compreensão.