netunnia 09/01/2023
"nossos genes" se você for europeu
claro que o eurocentrismo é um problema que você vai achar por aí na massiva maioria dos livros científicos que desejar ler - infelizmente, devido a todas as razões históricas que não cabem citar aqui, a ciência ainda é feita majoritariamente na europa e para a europa. mas, nesse caso específico, o eucentrismo se torna especialmente frustrante porque o livro começa, de maneira até bastante pretensiosa, tratando a respeito das primeiras migrações do sapiens pra fora da áfrica, envolvendo a hibridização (se é que podemos chamar dessa forma) com o neanderthalensis e o denisovano e os posteriores assentamentos estrangeiros. esse início dá a entender que a ideia é continuar a dissertar a respeito das migrações humanas de forma geral, expectativa que é quebrada quando a narrativa afunila sem aviso prévio para a história europeia e, de lá, não sai mais. seria bom ter sabido previamente o tema real do livro (migrações humanas na europa), porque assim o leitor pode adequar as expectativas.
no entanto, mesmo que isso estivesse muito claro (o que não está, já que na sinopse, nas orelhas do livro e no subtítulo ele se refere ao tema como um estudo "da humanidade" e não "da humanidade na europa"), ainda assim o eurocentrismo tolheria qualquer chance do livro se aprofundar em qualquer um dos temas que ele se propõe a tratar. até mesmo a própria história da humanidade na europa se torna rasa pela negação do autor em falar a respeito do passado pregresso dos povos que migraram para a europa e constituíram sua população - o autor frisa diversas vezes a importância das migrações do povo yanma, que constitui atualmente 1/3 dos genes dos europeus, mas não é capaz de dizer quem foi este povo, como viviam e porquê migraram, já que todas essas perguntas são parte da história da ásia. é claro que um livro de divulgação científica para leigos não necessariamente precisa de grande aprofundamento, mas a sensação que fica é que o livro é raso não porque o público não especializado não compreenderia a íntegra, mas sim, porque o autor deliberadamente ignora a possibilidade de aprofundamento a partir do momento que a europa não é mais o tema.
ademais, o livro introduz de forma bastante interessante a relação que humanos e patógenos estabelecem e sua importância sociocultural ao longo da história, parte que infelizmente só ganha destaque no terceiro e último bloco do livro.
salvo momentos onde o autor chega perigosamente perto de fazer declarações abertamente eurocêntricas (como insinuar que os avanços humanos relevantes dos períodos tratados ocorreram todos na europa), é possível ter uma leitura satisfatória se o leitor estiver ciente do tema (real) e encarando como um texto introdutório, que de fato é o que ele é.