Louise 25/12/2023Uma assustadora viagem pelo sertão nordestinoEm Sina, Zé Trancoso é nosso protagonista e também o contador das histórias arrepiantes que aqui encontraremos. Enquanto viaja, sua caminhonete para subitamente e, sem água, sem comida e sem pessoas por perto, o desespero é certo. Logo adiante, encontra três senhoras guardando a entrada de uma cidade e não demora a lhes pedir ajuda, que é negada. Trancoso, então, faz um acordo: ele contará três histórias, uma para cada, e mais uma em homenagem a sua mãe e, caso gostem do que vão ouvir, sua passagem será concedida. Histórias contadas e aprovadas por sua modesta, porém importante, plateia, Zé consegue entrar na cidade para conseguir alguma ajuda. Lá, acaba encontrando um circo, onde é logo contratado, e seu passado vem à tona – e ele faz questão de compartilhá-lo conosco.
Algo errado ocorre naquele lugar que o acolheu, com um autoproclamado profeta liderando o povo, que acaba virando seu rebanho sem vontade própria, e agora nosso contador precisa lidar com sua sina e escapar com vida daquele local amaldiçoado.
Márcio Benjamin tem todo o cuidado de escrever de uma forma que pareça que o protagonista está, de fato, contando uma história diretamente para o leitor ali, pessoalmente. Suas descrições dos acontecimentos, detalhados com linguagem simples – o que reforça a ideia de que estamos ouvindo tais relatos diretamente da boca de Zé Trancoso –, faz com que imaginemos todo o horror que seus personagens testemunharam, com cenas de arrepiar os cabelos e, em alguns momentos, tapar os olhos.
Enquanto nos deslumbramos com suas histórias sangrentas, que aos poucos fica claro que não são apenas histórias de um contador, e sim acontecimentos reais presenciados sertão afora, a trama principal segue se expandido e se conectando, revelando muito mais do que inicialmente aparenta. Um acordo feito há muitos anos, uma seita cruel disfarçada com boas intenções, a vida por um fio e um salto temporal são interligados e revelam a sina daquele povo honesto e trabalhador que, em algum momento, se desviou do caminho por algum motivo e acabou eternamente punido. Alguns tentaram escapar, mas o destino não demora a encontrá-los.
Em seus contos, encontramos mitos e lendas (será que o leitor vai reconhecer o trio não tão simpático de senhoras?) que ganham vida graças à escrita de Márcio Benjamin, e também figuras clássicas que podem ser encontradas em qualquer interior que se preze: o padre, um circo local, o menino que desobedece a mãe preocupada e fica até tarde brincando no riacho, o pai com mão firme, a senhora cheia de fé, entre outros. Junto de tantos personagens carismáticos e relacionáveis, o medo da fome e da seca se junta ao medo do desconhecido. O mal está à espreita, apenas esperando por um deslize. Do meio de caminhos poeirentos e plantações mortas surge um ser aparentemente amistoso oferecendo um acordo em troca de bonança, e é preciso ter pulso firme e mente forte para não ceder. Caso contrário, o autor deixa claro os pavores que virão em troca de alguns momentos de fartura. No meio de tantas ameaças sobrenaturais, uma crítica de algo real muito presente e tão assustadora quanto os mitos: o fanatismo religioso. Líderes religiosos usando a fé alheia para promoverem seus interesses malditos, movimentando multidões com promessas vazias, manipulando-os como fantoches, tratando-os como carcaças vazias dispostas a seu bel-prazer, destruindo seus espíritos em troca de migalhas fantasiosas. Se isso não fica claro no dia a dia, aqui, em Sina, o autor nos dá esse tapa na cara para acordarmos e não passarmos pelo inferno que os moradores de sua obra passaram.
Cheio de mistérios ocultos, sangue espirrado e pessoas acolhedoras, Sina é um folk horror recheado de contos macabros, lendas assustadoras e uma magia que apenas o sertão nordestino pode proporcionar.
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