anahelena.blasilemos 28/08/2023
O CUSTO DE VIDA – de Deborah Levy
Na real, cair na real pode ser bem difícil, demorado e trabalhoso.
Neste segundo livro da trilogia intitulada Autobiografia Viva, Deborah Levy se encontra em momento de reflexão, de encarar a realidade, de olhar para trás e para seu momento atual e reorientar o que pode vir depois.
Hora de tirar das sombras aquela assustada menina de 9 anos que junto à família, por motivos políticos teve que deixar às pressas seu país natal, a África do Sul, e chegar à INGLATERRA que ela enxergava assim, maiúscula, superior e inatingível.
A menina com sotaque estranho, que adotou um cabelo estranho, roupas estranhas, demonstrando sem pudores um deslocamento generalizado, por dentro e por fora.
A menina branca que emudeceu diante das injustiças sociais aos negros sul africanos e que conseguiu recuperar a voz pela escrita em terras distantes.
Hora de revisitar a menina que se tornou mulher, que abandonou aos poucos a sensação de estrangeirismo, que casou com cidadão inglês, teve duas filhas inglesas, constituiu família e linda casa com jardim, que já não tinha sotaque, já pertencia ao local.
Hora de enxergar a mulher que viu seu mundo desabar com o fim do casamento e da morte da mãe, que teve que botar as filhas embaixo do braço e se mudar para um insalubre – e feio - apartamento periférico, que se deparou com um custo de vida – em vários sentidos – alto e difícil de sustentar, mas ainda bem, nem por tudo isso deixou de escrever.
Chegou a sagrada hora de absolver aquela menina problemática e de fazer as pazes com a perturbada mulher descasada, ambas a mesma pessoa, ambas ela mesma.
Hora de se apaziguar e reconhecer essa mulher que escolhe enfrentar a tempestade ao invés de sucumbir a ela, que se assume escritora, que passa a ter nome próprio, que relativiza o custo de viver, que finalmente cai na real.
PERSONAGEM: Deborah Levy, a autora.
CITAÇÃO: “Ser valorizada e respeitada dessa forma, como se fosse a coisa mais normal do mundo, era uma nova experiência... Ali eu começava a escrever em primeira pessoa, usando um eu que está próximo de mim e que ainda assim não se confunde comigo.”