Renata 28/10/2022
Se Romeu e Julieta não tivessem morrido, mas sim metido o pé pra viver em outro reino, teríamos um final feliz? O livro de Shafak trata da história de uma família construída sobre uma sociedade que se dividia e antagonizava.
Não sei se o rótulo seria o de romance, ou talvez uma fábula, já que parte da narração é feita por uma árvore, especificamente uma figueira, que tem seus informantes, como por exemplo, uma abelha. E que por meio destas relações com outros seres na natureza consegue completar a história, esclarecendo pontos até então obscuros.
A outra metade da narração é uma voz de fora, um observador que relata o encontro de Defne e Kostas, respectivamente uma turca e um grego cipriotas, quando aquela ilha se dividia, em parte literalmente, em disputas políticas fundamentadas em diferenças étnicas.
Trata-se de um livro que “ensina” muitas coisas, a autora traz muitas informações históricas e científicas, inclusive com referência bibliográfica no final. A autora é acadêmica, isso pode explicar essa preocupação.
Um dos pontos que me chamou a atenção foi a perspectiva histórica. A oficialização de narrativas tem relação direta com exercício de poder.
A abordagem da guerra civil é algo que impressiona, saber que um país pode rachar deste modo e literalmente se dividir, como é o caso do Chipre, separado por um conflito civil.
É uma perspectiva muito sombria, por que quando algo assim acontece, o que poderia fazer com que, em algum momento, se retomasse as relações cordiais e respeitosas?
Sabe quando pessoas começam a falar em metralhar outras pessoas por sua filiação partidária, sua religião ou orientação sexual? Como recuperar a humanidade depois disso?
Todos sofrem, além de todo o entorno, incluindo o ambiente natural. A política reflete em vida e morte das pessoas.
Outro ponto interessante é a diferença entre as gerações na percepção do passado, enquanto alguns querem um encerramento, outros não querem nem tocar no assunto. Gerações mais novas, desenraizadas de seu passado desejam saber, sua origem, de onde vieram. É o caso de Ada, filha de Defne e Kostas, que, tal como a figueira, se encontra desenraizada, desejosa de saber a história de sua família, que segue interditada enquanto cresce.
Apesar de ser uma adolescente em crise, Ada é de boas, tem um senso de humor de quem conhece os próprios defeitos.
Outra personagem importante e muito carismática é a tia Meryem. Cheia de simpatias e superstições. Ela poderia ser minha tia tranquilamente.
Já Defne tem uma personalidade mais pesada, carregada de um idealismo ativo, mas Meryem me parece o tipo de pessoa que está mais preparada para o mundo, é mais flexível, ao mesmo tempo fiel até ao fim a compromissos, mesmo que não concorde com eles.
Você parte de uma premissa onde há uma árvore contando uma história e pode pensar em algo lúdico, e acaba se deparando com guerra étnica, separações, mortes em massa, incluindo de bebês, busca de desaparecidos e suicídio.
O bom de ter uma árvore narrando é a perspectiva “além do humano”. Quando pensamos nesses conflitos sempre é em termos de perdas de vidas humanas, não consideramos em como tiramos o equilíbrio de tudo em volta.
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