Lurdes 07/05/2023
Joel está tão especializado em fracassar que até mesmo sua tentativa de suicídio dá errado.
Apesar da seriedade do ato, a descrição de sua tentativa frustrada nos faz gargalhar já nas primeiras páginas.
Martha Batalha novamente se mostra uma especialista na crônica carioca, com personagens que parecem medíocres, parecem rasos, comuns, alguns até um pouquinho detestáveis, mas que nas mãos desta incrível contadora de estórias, mostram uma humanidade que é familiar a todos nós.
Joel, um repórter machista, "cascudo", dedicou a vida a transformar em manchete as piores mazelas, com direito a muito sensacionalismo. Iniciou carreira nos anos 1960, ainda menino, como foca do jornal Luta Democrática, conhecido por ser daqueles jornais que "se espremer, escorre sangue", acompanhou os desmandos e repressão da ditadura, o surgimento do Esquadrão da Morte, precursor das milícias e chegou a trabalhar em outros grandes jornais.
Recentemente aposentado, com problemas de alcoolismo, sozinho depois de vários casamentos desfeitos, de onde sempre saiu de mãos abanando, Joel tem de seu apenas uma pequena mala, uma caixa e um abajur... E não vê mais nenhum motivo para permanecer vivo.
Sem dinheiro e sem ter para onde ir, conta apenas com a ajuda de Leandro, um jovem estagiário do jornal, que convence sua tia Glória a hospedar o suicida convalescente.
Glória é uma senhorinha que parece estacionada no tempo, cercada de bibelôs e lembranças de tempos idos.
Uma improvável amizade vai surgir da convivência destes dois velhos rabugentos e teimosos.
Outros personagens vão surgir, como o porteiro Rodinei, a vizinha Aracy com seus dois chiuauas grisalhos, Letícia e Bernardo, além de familiares, ex colegas. Tudo muito tocante e real, personagens tão humanamente cheios de defeitos e qualidades, assim como nós.
Eu já tinha adorado A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, da autora, que tem resenha aqui no feed, e agora posso dizer, sem medo de errar, que já é uma das melhores leituras do ano.