A menina que não fui

A menina que não fui Han Ryner




Resenhas - A menina que não fui


5 encontrados | exibindo 1 a 5


Toni 18/04/2024

Leituras de 2023

A menina que não fui [1903]
Han Ryner (Argélia, 1861-1938)
Ercolano, 2023, 256 p.
Trad. Régis Mikail

De autoria de um intelectual francês pacifista e propagador de ideias anarcoindividualistas, "A menina que não fui" aborda, através de diferentes registros (diário, cartas e escrita da memória), as experiências de infância/adolescência do protagonista em um colégio interno, e sua vida adulta pautada por pressões sociais e sexuais às quais não consegue corresponder. Longe de condenar o jovem François em sua condição de “mulherzinha” (que em pouco tempo assume o título de “rainha Françoise” do internato Saint Louis de Gonzague), Ryner constrói um repertório de desejos, frustrações e aparatos simbólicos que afastam com segurança a narrativa de qualquer forma de patologização.

Ao se perceber e aceitar-se como feminino (uma percepção tanto narcísica quanto socialmente construída), François/Françoise pode hoje ser facilmente interpretade como uma personagem trans ou não-binária. No entanto, mesmo seu enquadramento nesses termos não dá conta da complexidade (muitas vezes paradoxal) desvelada ao longo desta “escrita de si” (entre aspas porque estamos diante, na verdade, de uma elaboração “autobiográfica” do outro). Ciente de que “A realidade, às vezes um devir, é sempre uma flutuação. Expressar um determinado momento é distorcê-lo, atribuir-lhe uma importância exclusiva que não teve, torná-lo claro e fixo, embora tenha sido um cambaleio obscuro” — esta voz narrativa, entre brincadeiras, insinuações e apartes filosóficos, é uma construção que não se deixa capturar pela luz direta, transitando nas zonas cinzentas entre nossas certezas e julgamentos morais.

Produto da época em que foi escrito, o livro contém muitos dos arroubos e excessos daquela estética de fim de século em que decadentismo e hedonismo disputavam o cabo-de-guerra da hegemonia composicional. Apesar do tom trágico anunciado no Prólogo, o romance consegue nos fazer rir com sua “imoralidade” desbragada (que também consegue ser, paradoxalmente, nada explícita), tornando-se, por fim, uma celebração de tudo aquilo que foge à norma acachapante de todas as formas de ser e amar.
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Gabriel Perez Torres 10/04/2024

Luz e Sombra na "A Menina que Não Fui"
"A Menina que Não Fui", de Han Ryner, é uma obra que mergulha profundamente nas complexidades da identidade de gênero e da sexualidade em uma época de rigidez moral e social. Ryner, através de uma narrativa simultaneamente delicada e perturbadora, apresenta a história de um indivíduo que se encontra à margem das normas sociais de seu tempo, buscando compreender e aceitar sua própria essência.

A ambientação do romance, inicialmente descrita com uma atmosfera de isolamento e introspecção, estabelece o tom para a exploração íntima do protagonista em relação à sua identidade e desejos. O uso da linguagem poética e metafórica contribui para a construção de um cenário em que o conflito interno do personagem principal se desenrola, evidenciando a luta entre o desejo de conformidade e a necessidade de autenticidade.

O aspecto mais notável do romance é a sua abordagem ousada e progressista das questões de gênero e sexualidade. Ryner não se esquiva de abordar temas controversos, como a homossexualidade e a transgeneridade, em um período em que tais assuntos eram tabus e frequentemente reprimidos. Através dos olhos do protagonista, o leitor é convidado a questionar as convenções sociais e a refletir sobre a natureza da liberdade individual e do amor.

No entanto, a obra também pode ser vista como um produto de seu tempo, refletindo as limitações e preconceitos da sociedade do século XIX. Apesar de sua tentativa de compreensão e empatia, o romance por vezes padece de uma perspectiva limitada, própria da época, em relação à diversidade de experiências de gênero e sexualidade. Isso é evidente na forma como o sofrimento e a alienação do protagonista são retratados, muitas vezes resultando em uma representação que hoje poderia ser considerada estereotipada ou redutiva.

Além disso, a narrativa às vezes se perde em suas próprias reflexões flosófcas e poéticas, tornando difícil para o leitor manter o foco na trama e nos personagens. Embora essas digressões contribuam para a atmosfera do livro e para a profundidade dos temas explorados, elas também podem desacelerar o ritmo da história e obscurecer seu impacto emocional.

Em suma, "A Menina que Não Fui" é uma obra que brilha tanto pela sua coragem em abordar temas complexos e pela sua beleza lírica, quanto é limitada pelas convenções de seu tempo. A leitura do romance proporciona uma janela para os desafios enfrentados por aqueles que vivem à margem da sociedade, ao mesmo tempo que convida à reflexão sobre a evolução das percepções sociais em torno da identidade de gênero e da sexualidade. É um testemunho da busca eterna do ser humano por compreensão, aceitação e amor, apesar das barreiras impostas pela sociedade.
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@eu_rafaprado 19/02/2024

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? Resenha do Livro ?A Menina Que Eu Não Fui? ?
????? (5 de 5 estrelas)
Autor: Han Ryner
Data de publicação: 1903 (256 páginas, tempo médio de leitura: 8 horas)

?Desejada? por todos, ciente de sua Beleza.


O personagem principal deste livro narra sua própria história, primeiro nos contando seus dias em um internato, onde é perseguido constantemente, sendo chamado de ?Mulherzinha? e ?Rainha Françoise? por seus colegas. Eles, ao mesmo tempo em que sentem repulsa, se veem desejando os carinhos e a companhia de François.

?Não me desagradava ser o objeto de desejo para alguns, o sonho, nem ver que, para usar uma expressão coloquial de meus colegas, gozavam pensando em mim?.

No meio do livro, mais especificamente na segunda parte da história, François, através de um diário, conta os dias que viveu longe do internato, já um jovem adulto, tentando mostrar como foram suas tentativas de viver ao lado de uma mulher.

?Esta noite, tentei... Oh! Fui tão modesto, não tive a presunção de querer ser um homem. Tentei, como posso dizer?... Ser uma mulher que ama outra mulher?.

Eu gostei MUITO de mergulhar nesta história e da complexidade que o autor dá à psique do personagem, abordando o tema de gênero naquela época. Quantas obras não foram apagadas por seu conteúdo? E aqui quero destacar o trabalho primoroso da editora @ercolanoeditora , que além de trazer uma tradução maravilhosa, fez justiça com esta edição linda em capa dura, com notas de rodapé, prefácio e posfácio, além de um caderno de imagens com obras de arte citadas pelo personagem. To doido pra ler os outros títulos da casa, principalmente ?O beijo de Narciso? ??

Aos meus amigos leitores, que amam um clássico, que gostam de histórias inteligentes, provocativas ?? e gostosas de ler, comprem essa obra de arte e deleitem-se.?????

O autor, Han Ryner, era um intelectual anarquista que cultivava a vertente peculiar do anarquismo individualista, na qual se incluía a liberdade sexual para além das normatizações socialmente impostas.

?? #AMeninaQueEuNãoFui #HanRyner #LiteraturaClássica #liberdadedeidentidade
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Gabi 09/12/2023

Fazendo justiça
Eu até teria uma crítica ou outra e em outras circunstâncias teria dado 4 e não 5, mas é absurdo um livro desse ficar com essa nota medíocre. nous avons faire justice pour la reine françoise!!
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FellipeFFCardoso 02/09/2023

No prefácio escrito pelo João Silvério Trevisan, o livro de Ryner é situado historicamente junto a outros livros naturalistas do final do século 19 e início do 20, entre os citados está O Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, primeiro a trazer um personagem explicitamente homossexual à narrativa no Brasil. Ainda que ambos compartilhem de correntes históricas, não há muito mais - aqui divirjo do Trevisan - que se comparar que não sejam algum ou outro recurso estilístico. Para mim, o livro brasileiro é muito mais interessante como texto, construção de personagens, complexidade cultural. No entanto, como o assunto deste comentário não é o O Bom Crioulo, mas sim A Menina Que Não Fui, restrinjo-me a dizer: é um bom livro, que entretém, vez em quando surfa por questões polêmicas, mas que não as usa ao seu máximo potencial, com personagens de sentimentos duais, convencionais, com sofrimentos quase de revista. Mesmo sabendo que, por razões histórico-sociais, talvez lhe tenha sido impossível fazer algo diferente dado o tabu que envolve o tema ainda nos dias de hoje e resguardando o direito de contextualização literária da obra na sociedade europeia de mais de 120 anos atrás, ainda assim, para mim, é um livro que carece de alma, de autenticidade. É bom, pero no mucho.
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