isa! 07/04/2024
“O relógio parado começava a fazer seus tique-taques novamente.”
Luto. Uma única palavra e diferentes estágios, diferentes dores, diferentes sensações. Num dia qualquer, você está rindo ao lado da sua pessoa favorita. No outro, você não consegue se lembrar do som da sua risada. Você sabe que um dia ela iria partir, afinal as pessoas morrem, mas não espera pela morte, nunca imaginou a vida sem aquela pessoa, nunca quis imaginar. Você dorme e espera que ela esteja ao seu lado quando acordar, espera que ela abra a porta de casa, espera que ela entre nos seus braços novamente. E, de repente, quando se vê, já passaram-se meses após a sua morte. Ela estava aqui há meses atrás e hoje não está. Para onde foi? O tempo passa, o relógio continua e as pessoas prosseguem, seguem suas vidas como se ela nunca tivesse partido. Como elas ousam estar felizes, por que os relógios não estão parados?
Quando Josh e Lauren declararam amor eterno, não esperavam que a eternidade fosse tão curta para eles. Um tempo depois do casamento, aos 27 anos, Lauren descobre que seus pulmões são falhos, descobre que tem fibrose pulmonar idiopática e que não há chances de ser curada. Ela não sabe quanto tempo teria, talvez mais dez anos, quem sabe? No começo, Josh, um homem muito inteligente, estudou todas as possibilidades de tratamento para salvar a sua esposa. Para ele, Lauren era a única pessoa que o fazia acreditar nas coisas boas da vida. E, poxa, ela não poderia estar indo embora, não assim, não agora.
Na vida, há pessoas que se sentem bem com o futuro, com o que está por vir, até mesmo com a morte. Elas não se preocupam, sabem que acontecerá de qualquer jeito, querendo ou não. A vida é assim, ela não costuma te dar escolhas. Josh era uma dessas pessoas até se deparar com a doença de Lauren. Ele não estava mais tranquilo com o futuro, não poderia estar se significasse que sua esposa iria partir. É muito fácil falarmos sobre o luto se ele nunca nos atingiu, se nunca sentimos a sensação da pré perda e da perda em si. Esse livro aborda muito essa questão, a autora consegue caminhar por diversos sentimentos durante uma única cena, a dor de estar doente e a felicidade de estar rodeada de amor, bem como o medo de partir e alegria de um dia já ter estado ali.
Quando Lauren acordava de manhã, sentia-se feliz por ser mais um dia, porém no fundo sabia que estava mais perto. Perto de não estar mais aqui, de estar longe de seu marido, seus amigos, sua família. Então, ela decide escrever cartas durante os meses que ainda restam, pois a morte já a esperava logo, só bastava que aceitasse. Nessas cartas, Lauren pretende guiar Josh após a sua morte, mantê-lo em pé mesmo em planos diferentes, ela deseja que ele ainda tenha forças de ver a vida do jeito que via com ela. Assim é configurado grande parte do enredo, as cartas de Lauren foram como um chorífero para mim. Haha. É sério. Eu me peguei chorando nas primeiras páginas do livro. Como isso é possível? Nelas, há as instruções e as palavras de amor, mas também há outra coisa: a passagem do tempo. Todo mês, durante um ano, Josh recebeu uma carta nova de sua esposa, em que era escrito o quão ela estava sentindo saudades e que esperava que ele estivesse indo bem, porém, quanto mais cartas abria, mais distante o tempo ficava desde a última vez que a viu por perto, mais longe ficava o som de sua voz, o cheiro do seu travesseiro, a sensação de seu toque.
Um dia, Carla Madeira escreveu: “morte é vida demais para quem fica.” Não sei o que ela esperava quando escreveu essa frase, mas eu nunca mais fui a mesma desde então. Quando as pessoas morrem, não é só a perda que lamentamos, somos um pouco mais egoístas do que isso, nos lamentamos em como ficaremos após a morte. Lauren não estaria mais aqui, mas Josh permaneceria. Ela morreu, mas ele ainda está aqui e precisa lidar com isso. Como ele poderia continuar vivendo? Não parece justo. Além de Josh, há a família de Lauren. Existe um trecho do livro muito interessante - e hiper mega triste -, em que a irmã de Lauren diz: “Eu fui irmã desde os meus cinco anos, o que eu sou agora?” E, caramba, eu chorei taaaanto! Porque é isso, esse é o problema da morte, ela não acaba com quem fica, nada vai embora com quem morre, tudo permanece na gente. A vida não acaba quando alguém morre e esse é o maior dilema. Entraremos no mesmo ônibus, visitaremos os mesmos lugares, comeremos as mesmas comidas, olharemos para as mesmas fotos, porque nada acaba para gente. Somos obrigados a viver, mesmo quando a pessoa que lhe dava vida não está mais aqui.
Ao longo da história, Josh começa a se adaptar a sua nova realidade, o relógio começa a bater novamente, as pessoas não perguntam mais sobre a partida dela, os amigos já seguiram as vidas e os planos já não fazem mais sentido. E, é nessa hora que você percebe que a vida caminhou demais, talvez você só não tenha acompanhado, ela nunca insistiu em ficar parada. Nas cartas, Lauren pede para que ele se encontre com pessoas novas, beije uma mulher diferente, entre em um relacionamento e que em, hipótese alguma, fique imobilizado, apesar dele achar injusto estar seguindo a vida enquanto sua esposa está morta. Mas, mesmo assim, o faz e se desculpa por não pensar demais nela durante esses momentos. Ele se sente distante, enquanto sua cabeça ecoa a voz dela: “Reage, bobão, a ideia é justamente essa.” Nunca tinha pensado, não antes de ler esse livro, em como o amor eterno realmente é eterno, Lauren, mesmo morta, cuidou de Josh e auxiliou a sua superação. Esse livro é absolutamente lindo, ele te instiga a vivenciar diversas experiências, num momento você chora pela perda de Lauren e em como ela era nova demais para partir, no outro, você se vê orgulhosa de Josh pela força de continuar vivendo.
“Parem os relógios” é certamente um dos livros mais tristes que já li na vida. Eu não me lembro de não estar chorando enquanto lia. Haha. Apesar de ser um romance, não é aquilo que salvará a história, não é por isso que se deve ler o livro. Há muito mais, é um enredo difícil de esquecer, porque ele vai te encontrar em algum momento, afinal, todos nós vamos perder alguém. Agora mandamos vídeos engraçados para os nossos amigos, comemos o bolo de fim de tarde da vovó, abraçamos nossos pais e beijamos nossos cachorrinhos, mas, em algum dia, vamos rir da última piada de um amigo, receber o último abraço da vovó, ganhar o último sermão dos pais e jogar a bolinha pela última vez para o cachorrinho. Daqui há um tempo, tudo será saudade, as mensagens serão visualizadas pela última vez, o eu te amo será olhando para o céu e as fotos serão manchadas de lágrimas quando segurarmos. Quando isso acontecer, porque, bem, não é uma possibilidade, é algo certo, esse livro vai estar aqui para nos confortar. E, é por isso que acho que deva ler, porque talvez não entenda agora, mas o relógio sempre vai voltar a bater.