anapmoscoso 31/08/2023
Uma grande critica social
Um estudante, um pedreiro, uma empresária e uma moradora de rua dividem o protagonismo em Xuxa Preta, uma história de terror ambientada em uma Feira de Santana no estilo sertãopunk. A cidade apodrece em criminalidade e desigualdade e, para completar, a lenda da Xuxa Preta é tão conhecida quanto temida e a mulher não faz distinção na hora de escolher suas vítimas.
Alan de Sá promete - e entrega - uma história de terror, mas não da maneira que o leitor imagina. Dividida em quatro contos, a obra escancara a realidade do estudante preto, excluído e amedrontado, do pedreiro preto, solitário e em condições de trabalho análogas à escravidão, da jovem preta, moradora de rua, vitima da violência, da fome e do descaso e da empresária branca, rica, dona de um shopping e com múltiplos carros na garagem.
A lenda da Xuxa Preta, uma mulher que rouba, mata, sequestra crianças e aterroriza a cidade de Feira de Santana é um plano de fundo para as criticas sociais feitas por Alan de Sá. Veja bem, não estou dizendo que ela não existe - jamais me atreveria a tal -, ou que seu papel na história não é grandioso. O co-criador do sertãopunk, entretanto, fez aqui um ótimo trabalho em adicionar uma personagem que grita pela atenção do leitor para o bullying sofrido pelo estudante preto que sente a necessidade de andar com uma faca para se proteger, para a batida policial que força um pedreiro a passar por uma rua escura para servir de isca, para uma mulher preta que apanha em um bar por dizer não, para uma mulher preta que é violentada por acharem que o corpo dela é de direito de todos, para a mulher branca que acha que pode comprar tudo e todos e que não haverá consequências.
Enquanto eu lia e, inclusive, enquanto escrevo essa resenha, me pergunto se essas situações não teriam acontecido se a Xuxa Preta não existisse. Mas acontece que mesmo que ela tenha estado no centro de quase todas elas, a verdade é que a inexistência dessa lenda, dessa mulher, não impediria que esses personagens passassem por situações semelhantes ou até mesmo iguais, porque a culpa não é da lenda que mata, que rouba, que sequestra. Todos os problemas apresentados no livro estão enraizados em nossa sociedade, a desigualdade, o descaso, a opressão, a violência urbana, a violência de gênero. Por isso digo, Alan de Sá fez aqui um excelente trabalho. Magnífico.
O clima de tensão, de expectativa, o medo que cresce nos personagens e cresce também no leitor, tudo é muito bem trabalhado, bem explorado. Os elementos que o Alan usa são muito específicos para assombrar cada um dos personagens de acordo com aquilo que eles mais temem e a ambientação de uma Feira de Santana sertãopunk foi essencial para construir a atmosfera perfeita.
Para o final, ele nos deixa uma surpresa. Ele quebra a corrente. Mas vou parar por aqui e deixar que vocês mesmos conheçam, em detalhes, a temida Xuxa Preta e a escrita sensacional do Alan de Sá.
site: https://twitter.com/anaestalendo