vanes.rc 15/01/2024
Um portal divino
Cartas enviadas através de um guarda-roupa que vão parar nas mãos do seu maior rival.
Desde que seu irmão foi para guerra, após receber o chamado da deusa Enva, Iris escreve cartas para ele, mas nesses cinco meses nem um retorno chegou a ela. Até aquele dia em que, dominada pela dor e angústia, transformou seu sofrimento em palavras num pedaço de papel e o enviou através daquele armário do seu quarto, sem esperar ser respondida. Imagine a surpresa da jovem ao receber uma com não mais que três palavras, que causaram uma confusão na sua cabeça. Assim, Íris e Roman começam a compartilhar pensamentos transcritos e íntimos, despindo-se de armadura de aço que os cercam.
Em seu local de trabalho, Iris e Roman competem por uma mesma vaga como colunista de um jornal chamado Gazeta de Oath. Em meio a provocações e uma disputa para ver quem consegue uma pauta primeiro, somos levados até a guerra entre os dois deuses. De um lado, Dacre e do outro Enva, qual é a história por trás deles? A Rebecca foi brilhante na construção de mundo, dando um toque de magia e divindades antigas, narrando o passado que desencadeou esse conflito regido por perdas, destruição e desejo de vingança e dominação tanto de pessoas quanto de territórios. A gente vivenciava a angústia, misturada com uma esperança inconsistente da luta nas trincheiras, que apesar de não ter um foco muito grande em cenas do que acontece lá, a atmosfera pesada e de horror consegue nos transmitir muito bem isso.
Após mais um abalo emocional em sua alma já fragilizada, Iris toma uma decisão corajosa: se tornar correspondente de guerra, levar as notícias da realidade cruel e sombria do que acontece a oeste e, assim, preparar uma população inconsciente do que pode acabar chegando até eles. Iris e Roman, agora separados, logo começam a sentir a ausência um do outro. A jovem, mesmo sem saber que, na verdade, suas confissões eram lidas por seu rival, sente falta da troca de cartas, de ler aquelas palavras que tanto lhe trazia conforto e que mostrava que ela não estava sozinha. Tinha ele e perceberão que seiscentos quilômetros não irão destruir essa conexão mágica entre eles. Na minha perspectiva, o Roman se apaixonou pela Iris lá atrás, quando começou a receber suas correspondências e compreendeu o que sentia na ausência e distância dela. Se apaixonou por suas palavras, pela paixão que impunha nelas de forma bela e brutal também, mas que era real. Era a Iris sem a armadura.
A escrita da Rebecca me passou uma sensação de absorção, foi tão fácil me prender às palavras e participar do que acontecia na trama como se eu estivesse observando tudo de cima, sabe? Tem emoção na forma como ela escreve e descreve o que os personagens estão sentindo e, nossa, como gosto de livros que nos arrancam isso enquanto lemos. Desde a primeira página temos algo fluido e instigante, rico em detalhes formidáveis. Amei acompanhar a troca de cartas, as palavras derramadas no papel entre Iris e Roman. Amei acompanhar o sentimento dela por ele nascendo, mesmo que inconsciente de que era o seu rival, e amei o desenvolvimento da narrativa, apesar de lá para o final ter sentido falta de algo (os elementos da fantasia em si, não foi algo tão aprofundado, o livro tem um foco maior no desenvolvimento do romance entre Winnow e Kitt, então a gente sente falta desse "algo a mais", sabe?), mas como um todo, adorei a obra. Foi um livro que me emocionou de muitas maneiras, trouxe angústia, medo e sorrisos bobos também, é como um abraço confortável, mas, ao mesmo tempo, desesperador. O epílogo faz nosso coração quase parar de bater de excitação para o que vem por aí no segundo livro da duologia.
E saudações a esses apaixonantes e divinos rivais.