Paulo 26/12/2023
Às vezes não nos damos conta de o quanto o tom de uma história é importante para identificá-la. Se existe um tom leve na narrativa, geralmente a narrativa vai beirar para um romance ou algo mais bem humorado, isso se o autor não trocar o tom. Se for mais pesado, já sabemos que será uma história repleta de tragédias. É o velho conceito do teatro grego que dá origem à comédia e à tragédia. Desde o começo, Louisa May Alcott dá um tom meio sombrio e melancólico à história. Apesar de esta ser uma narrativa que tende a ser mais voltada para o romance de casamento. Contudo, esse tom diferente dado por Alcott vai se sobressair mais a partir da segunda metade da narrativa e levar o leitor para uma ação que não esperávamos que a personagem fizesse. Alcott nos traz uma personagem virtuosa que cede aos seus instintos sombrios e isso provoca a virada narrativa que vemos ao final. Mas, em nenhum momento o tom da história nos enganou. É só que ele fornece a identificação da mesma.
Agatha é apaixonada por Philip. Sendo uma garota desprivilegiada e sem recursos financeiros que ofereçam um casamento atraente, ela aposta na devoção de seus sentimentos para conquistar o amor daquele que preenche seu coração. A protagonista sabe que Philip é sua única esperança para uma vida feliz. Só que sua amiga Clara tem tudo o que ela não tem: dinheiro, casas, beleza. E Clara adora ser desejada pelos homens. Quando ela percebe que Philip está atraído por seus olhares indiscretos e sua atenção descompromissada, Clara passa a jogar seu charme para o homem da vida de Agatha. E lentamente Clara vai avançando em suas investidas até cativar, apenas por capricho, Philip. É então que se inicia um terrível jogo de sedução que vai partir em mil pedaços o coração da protagonista. E alguns sentimentos bem sombrios irão se apossar de seu coração. Será que Agatha cederá à tentação? Ou pode ela manter sua serenidade e sua virtude?
A narrativa de Alcott é bem voltada para esse jogo que acontece entre Clara e Agatha. Clara é favorecida por sua beleza e capacidade de conquistar os homens ao seu redor. Ela não se faz de rogada para usar de mentiras e fofocas para tirar Philip do alcance de Agatha. Quando o rapaz se afasta da casa de Agatha, Clara vai usar de estratégias bem sujas e ousadas para manter a atenção do rapaz. Por outro lado, Agatha tenta manter o seu estilo virtuoso. Ela sabe que é uma batalha perdida bater de frente com sua rival. Usar sua honestidade e seu coração puro vai ser a única forma de ela equilibrar a disputa. Mas, pouco a pouco ela vai sendo derrotada pelo jogo sujo da amiga. E é quando aquele soprinho de maldade no ouvido vai começando a ficar cada vez mais alto. A tentação de prejudicar sua rival é avassaladora e a cada nova maldade de Clara, Agatha vai perdendo seus pudores. Alcott vai tratar da questão da pureza do coração e o quanto nos arrependemos quando causamos o mal ao próximo. E esse causar o mal pode aparecer de diversas formas: através da pura raiva, da inveja ou até da omissão. O período em que Alcott escreve temos uma definição entre bem e mal na literatura que era bastante maniqueísta. Fruto de uma sociedade mais conservadora e voltada para a moral e a família. Nos dias de hoje enxergamos as coisas sob tons de cinza. Por isso que uma personagem como Agatha pode ser considerada como tola pelos leitores. Se formos buscar no fundo de nossos corações, quantos de nós não teríamos feito o mesmo que Agatha?
Com um estilo narrativo que me fez pensar imediatamente em O Coração Delator, de Edgar Allan Poe, A Confissão de Agatha é uma narrativa bastante curiosa vinda da autora de Mulherzinhas. Não imaginava que Alcott conseguiria escrever uma história tão sombria e cheia de nuances. Criar uma personagem como Agatha, que luta contra seus demônios interiores. Ao final, não achei a história genial, mas certamente me interessou bastante. É uma outra forma de enxergar a obra da autora. Só que não curti o final, mas isso não é algo que prejudique a fruição da história. É mais porque fiquei triste pela protagonista que não merecia o que se sucedeu com ela. Diante de tudo o que Clara fez com ela, parece que foi Agatha quem realmente pagou por tudo.
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