Isadora1232 13/11/2023"Os mais velhos contavam que a palmeira de miriti era abençoada, brotara no solo onde a índia Uaraci fora enterrada pelo cacique, após a lua tê-la encantado. Uma vez, o pai explicara a André que a palavra Uaraci tinha origem tupi, e significava "mãe de todas as frutas". Mas André sentenciou ao pai: Uaraci morreria uma segunda vez, todo o seu corpo de rio envenenado pela mineradora".
Quando li esse trecho do conto "Anjos de Miriti", pensei que Pedro condensou em poucas palavras toda a angústia de testemunhar a história da amazônia até aqui. A cada rio que morre, é de fato uma parte da nossa ancestralidade que morre com ele. Do encantado, da nossa própria história.
Esse é um dos maiores trunfos do autor - além da escrita belíssima, pungente e cortante, lemos aqui a amazônia de dentro. Não com o viés exótico, ufanista ou raso de quem vê de fora. O livro narra as mazelas de um norte esquecido, cheio de desigualdades, poluído e alimentado por peixes contaminados com mercúrio. Mas também o norte das encantarias e do pertencimento a essa terra.
O livro é composto por onze contos, ligados por esse tom pesado, esperado no contexto da exploração, das terras invadidas, dos corpos vítimas de violência. Mas também de momentos de ternura que resistem nesse cenário.
A leitura de "corpos benzidos em metal pesado" é necessária e urgente pra entender um pouco sobre as vivências e histórias nessa região marcada pelo esquecimento.