Coisas de Mineira 13/03/2023
AS GAROTAS QUE EU FUI TRATA DE RESILIÊNCIA E O AMOR INCONDICIONAL DE UMA IRMÃ
Em As Garotas que eu fui, uma garota se torna refém de um assalto a banco com dois amigos, mas ela não é uma garota comum e, para sobreviver, vai usar todo o conhecimento que aprendeu com sua mãe, uma grande golpista.
As Garotas que eu fui é um thriller para jovens adultos, primeiro livro da autora Tess Sharpe que chega ao Brasil pela Editora Rocco. Em breve ganhará uma adaptação pela Netflix estrelado por Millie Bobby Brown (Stranger Things, Enola Holmes).
Nora O’Malley acreditava que o máximo de estranheza em seu dia seria encontrar Wes – seu ex-namorado, melhor amigo e recentemente magoado por descobrir que Nora está namorando Iris, melhor amiga dos dois. Na fila do banco para fazer um depósito, começa a tentar se desculpar mais uma vez pela mentira, até que assaltantes resolvem invadir o banco. Dois homens armados querem o gerente, e mandam todos se deitarem no chão.
Nora, que nem necessariamente é Nora, rapidamente cataloga os detalhes à sua volta. Percebe que o mais jovem, que ela vai chamar de Boné Vermelho, é mais impulsivo, e claramente recebe ordens do assaltante mais velho, Boné Cinza, que perceptivelmente já passou pela prisão – tudo em uma rápida leitura. Também percebe que a caixa está tão apavorada que não vai apertar o botão de emergência, e que há uma criança escondida debaixo de uma mesa…
Fica óbvio que as coisas não estão saindo como planejado pelos ladrões, e isso logo poderá se tornar uma situação sem volta. Todos são feitos reféns. Os bandidos montam uma barricada nas portas, e a pequena força policial de Clear Creek precisará chamar a equipe da Swat, que estará a horas de distância. Por tudo isso, Nora decide que é o momento de fazer ressurgir todas as garotas que ela já foi.
"As garotas que eu fui. As filhas perfeitas das mulheres que minha mãe se tornou para enganar seus alvos."
RESENHA DO LIVRO AS GAROTAS QUE EU FUI DE TESS SHARPE
Nora tem apenas 17 anos, mas um passado tão terrível que facilmente dobraria essa idade. Filha de uma mãe vigarista, cresceu aprendendo com ela a ser a filha que seus alvos gostariam que fosse. Seus 12 primeiros anos foram sobre mentiras e muitas identidades, tantas, que hoje ela precisa de terapia, e do apoio incondicional da irmã, Lee.
E foi Lee que estendeu a mão para Nora quando o último alvo deu muito errado, obrigando a garota a tomar atitudes drásticas e abandonar a mãe. Foi assim que se tornou Nora, vivendo com Lee pelos últimos 5 anos. Mas, o assalto ao banco a obriga a relembrar esse passado doloroso e cheio de cicatrizes para garantir que todos saiam vivos.
Nora vai usar de todos os truques que conhece para manipular os ladrões, tentando distraí-los para que a equipe da Swat consiga chegar. Ao mesmo tempo que avalia as possibilidades de fuga. Entretanto, o tempo passa, os ladrões ficam impacientes, Nora começa a perceber que esse não é um assalto comum, e que a única forma de tentar ganhar tempo é revelando sua verdadeira identidade, trazendo seu passado à tona e colocando em risco todo o plano de Lee para esconder as duas desses segredos.
"Mas preciso delas agora, de todas, com seu conhecimento torto, suas cicatrizes de chutes e seus corações de Frankenstein."
NORA VAI TER SEU PASSADO TRAUMÁTICO ARRANCADO DAS SOMBRAS
Gosto muito de livros de suspense jovem, me encantei pela capa, e pela adaptação – adoro as atuações da Millie Bobby Brown, e a Nora já veio pronta pra mim. Já adianto que achei uma estória excepcional, começando de uma forma leve, mas trazendo tantos eventos e tantas camadas, que foi impossível parar. Li em três dias, porque tinha de tomar fôlego em alguns momentos. Por isso, fique atento aos gatilhos, são muitos. A autora trata com certa leveza e sensibilidade, mas eles são dolorosos. Não foi fácil para a Nora crescer com essa mãe completamente disfuncional.
As Garotas que eu fui faz um bonito trabalho ao tratar da lenta recuperação dos traumas e da violência do passado de muitos personagens. Mesmo que o foco fosse em Nora, e as dores e conflitos dela, outros personagens também tiveram o momento de acolhimento no livro. Nora foi muitas, todas elas moldadas por sua mãe e por todos os homens que passaram na vida delas. Quanto mais ela crescia, mas perdia a infância para os golpes daquela que devia protegê-la. A autora não esconde os momentos terríveis vivenciados por sua protagonista, mas faz um excelente trabalho ao deixar claro que esses eventos tiveram um impacto duradouro que mereceu atenção de profissionais da saúde.
Além dos temas fortes, a autora também aborda outras questões, como endometriose, trazendo ao final uma nota de esclarecimento, além de abordar relações LGBTQIAP+ de uma forma bem positiva.
"Nós duas somos garotas cujos ossos foram forjados de segredos em vez de aço."
NORA NÃO PERMITIU QUE SEU PASSADO DEFINISSE SUAS ESCOLHAS
Nora tem amigos maravilhosos. Wes também tem uma história de dor e traumas, por isso a construção da relação deles é bem linda de acompanhar. Iris é explosiva, vem embalada em tules e vestidos nos anos 1940/50, que pode até parecer frívola, mas mostra suas garras também. A dinâmica que a autora criou para o relacionamento desses três amigos se tornou uma parta deliciosa da narrativa. E ainda temos Lee, a irmã que também passou por uma infância traumática, e que dedicou sua vida a salvá-la, mesmo que ela destrua tudo o que ama.
As Garotas que eu fui conciliou maravilhosamente os flashbacks, que se encaixam perfeitamente na narrativa principal. Além disso, à medida que o livro avança e a situação no banco piora, vamos nos tornando cada vez mais consciente de quão perigosa foi a infância de Nora. Grande parte do livro vai se concentrar nesses momentos, que tem a função de justificar como a sagacidade de Nora vai ajudá-la durante o assalto – que tem uma conclusão relativamente rápida, já que dura poucas horas, mas espalhado por essas memórias. A autora não perde o foco dos momentos de tensão, e ainda assim consegue administrar bem o desenvolvimento dos personagens.
Narrado do ponto de vista da Nora, vamos mergulhando no passado dela com capítulos que vão entregando a relação dela com a mãe, os vários golpes, e os ensinamentos para que Nora se torne um complemento perfeito, até se tornar ela mesma a golpista. Embora o livro tenha um final, a autora consegue deixar um potencial para outros livros no futuro, que eu certamente leria. Foi um livro fluido, engraçado em alguns momentos, doloroso em outros, com uma protagonista forte que não deixou que seu passado definisse suas escolhas. Adorei!
Por: Maisa Carvalho
Site: https://www.coisasdemineira.com/2023/03/as-garotas-que-eu-fui-tess-sharpe-resenha-do-livro