Internacionalização do Direito Penal e Processual Penal

Internacionalização do Direito Penal e Processual Penal Aicha de Andrade Quintero Eroud...




Resenhas - Internacionalização do Direito Penal e Processual Penal


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Paulo Silas 19/06/2020

Para compreender o fenômeno da internacionalização do Direito Penal e Processual Penal, bem como o fator influenciador que essa transnacionalização faz operar no Direito interno, é necessário estar a par daquilo que se entende por globalização e toda a sua complexidade inerente. A intentada construção de uma ordem jurídica global desagua num processo de desterritorialização, ocasionando a mitigação da soberania dos Estados. Cientes disso, a presente obra busca refletir sobre os conceitos teóricos, práticos e filosóficos enraizados no Direito Internacional Penal (ou ainda – Direito Penal Internacional), demandando, a partir das incursões realizadas, soluções para as problemáticas enfrentadas pelo sistema penal contemporâneo.

Analisar toda a dinâmica estrutural, bem como as propostas e os moldes necessários que sigam alinhados com o fenômeno da internacionalização dos regramentos adotados por diferentes sistemas jurídicos, sem ferir a ordem constitucional pátria de cada Estado que necessariamente se vê envolto nesse processo, vem sendo um dos grandes desafios atuais no cenário jurídico. É diante disso que esse livro abarca vários temas relevantes e pertinentes ao estudo da matéria, cuja obra coletiva conta com a participação de autores preocupados com o apontado fenômeno que segue em voga a todo vapor, expondo nuances e problemáticas que precisam ser devidamente pensadas e enfrentadas para que se tenha uma desenvoltura escorreita de análises sobre a questão central.

O livro que segue é prefaciado, com muita honra, por Luís Carlos Valois - devidamente reconhecido por suas valorosas contribuições para a humanização do sistema penal e carcerário, tendo o seu livro O direito penal de guerra às drogas, indicado para a 59ª edição do Prêmio Jabuti de Direito.

Dando início à obra, Jefferson de Carvalho Gomes trata do tema “A falsa sensação da internacionalização do Direito: o problema das importações teóricas no processo penal brasileiro”, onde discorre sobre as importações teóricas no âmbito do processo penal pátrio, alinhadas à falsa percepção de modernização do Direito ao adequá-las aos moldes ditados pelo sistema jurídico internacional que, por muitas vezes, se confronta com o ordenamento jurídico interno. A partir disso, o autor discorre sobre a colaboração/delação premiada e sua (in)aplicabilidade no Direito brasileiro.
“Internacionalização do direito penal e processual penal: segurança pública nas fronteiras” é o tema abarcado por Mário Luiz Ramidoff e Henrique Munhoz Burgel Ramidoff. Os autores tratam com propriedade acerca da segurança pública nas fronteiras sob o enfoque da transnacionalização contemporânea - voltada aos aspectos da internacionalização do direito penal e processual penal como instrumento ineficaz no tocante às contribuições teóricas e pragmáticas para as resoluções dos problemas de segurança pública nas fronteiras.
A seguir, Iverson Kech Ferreira traz no seu texto “A filosofia da libertação; totalidade e a internacionalização do direito” pertinentes reflexões a respeito dos riscos albergados pela importação de conceitos de sistemas jurídicos diversos ao Direito pátrio. O estudo possui base afincada na análise da conceituação de mudanças de paradigmas investigadas por Thomas Khun, pautado em Enrique Dussel e Celso Ludwig.
Na sequência, Rui Carlo Dissenha e Paulo Silas Taporosky Filho tratam o tema da “Prisão para Extradição: quanto evoluiu da Lei de Migração?”. No capítulo, discorrem sobre a prisão para fins de extradição comparando o instituto em seus modelos presentes no antigo Estatuto do Estrangeiro e na atual Lei de Migração, apontando para algumas problemáticas que devem ser enfrentadas na prática jurisdicional.
“Ecocídio e o Tribunal Penal Internacional: análise sobre os crimes ambientais transnacionais” é o assunto tratado por Aicha de Andrade Quintero Eroud, Paula Yurie Abiko e Sergio Ricardo Fernandes de Aquino, o qual é pautado no reconhecimento do ecocídio como crime contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional. Os autores elucidam e defendem a necessidade da inserção do ecocídio no rol dos crimes nucleares do Estatuto de Roma com a finalidade de estabelecer a competência material da Corte para o julgamento do delito. A temática encontra-se emantada pela internacionalização da ordem jurídica penal-ambiental ao sistema jurídico pátrio e da responsabilização internacional de crimes ambientais.
Em seguida, Samuel Ebel Braga Ramos, Guilherme Ebel Braga Ramos e Thomas Magnun Maciel Battu trazem no texto “A necessidade de um devido processo legal nos acordos de cooperação internacional penal como garantia constitucional do jurisdicionado” a necessidade de se observar os institutos da ampla defesa e do contraditório nos acordos internacionais penais, considerando a complexidade dos crimes transnacionais. Conforme demonstram no artigo, essas garantias não são estendidas aos réus e investigados no Brasil que necessitam da obtenção e validade das provas produzidas fora do país, fato que dificulta a defesa.
André Luis Pontarolli trata sobre a temática das tendências proibicionistas no âmbito internacional no texto “Drogas: Proibicionismo e tendências contemporâneas no Direito Internacional Público”. Apontando para as drogas como um problema de cunho transnacional, o autor tece uma análise do tema a partir de relatórios e dispositivos do Direito Internacional, questionando se o Direito Internacional Público está evoluindo no tocante à repressão penal as drogas com suas soluções penais retributivas.
Luiz Eduardo Cani analisa o projeto de lei “anticrime”, focando na presunção que culpa que extrai do seu objeto de abordagem. Ao estabelecer um paralelo entre a presunção de inocência e a presunção de culpa situados no processo penal brasileiro, o autor evidencia e defende no artigo “Presunções de culpa no projeto de lei “Anticrime”: a tradição dos oprimidos a nos ensinar que o estado de exceção em que vivemos é a regra geral” que a presunção que se faz presente no projeto de lei “anticrime” é a de culpa, o que acaba por reverberar no estado de exceção como sendo uma regra geral.
O Tribunal Penal Internacional e sua análise sobre o caso Afeganistão recebem a atenção dos autores Rui Carlo Dissenha e Bryan Bueno Lechenakoski, os quais enfrentam a polêmica decisão do TPI que não autorizou o início de uma investigação sobre o cometimento de crimes contra de guerra e contra a humanidade no caso do Afeganistão. Os autores conduzem uma análise crítica sobre a situação no artigo “O caso Afeganistão no Tribunal Penal Internacional: análise crítica da decisão que rejeita a abertura de investigação ou como a “síndrome de Nuremberg” contaminou a corte”, chegando à conclusão de que a seletividade penal opera também no plano internacional.
Fauzi Hassan Choukr traz à discussão os limites possíveis para a preservação do direito local frente ao fenômeno da supranacionalização no seu texto “Margens nacionais de apreciação: limites possíveis ao desalinhamento com o cenário normativo supranacional?”, uma vez que deve existir um necessário equilíbrio entre os compromissos no âmbito internacional e a liberdade necessária ao direito interno, pugnando que a margem nacional é que deve se situar como um grau mínimo de reserva local a fim de se tenha uma concreta compreensão acerca da fronteira existente entre o direito local e o universalismo dos direitos humanos.
Salah Khaled Jr. pontua a importância dos estudos em Direito Comparado no texto “Uma porta aberta para a renovação: a função subversiva do direito comparado”, demonstrando que a produção acadêmica nessa disciplina é escassa, propondo assim que a atenção seja voltada para esse campo rico em possibilidades de abordagem que acaba por romper o estrito recorte de estudos que se faz sobre o ordenamento jurídico, tendo-se assim um efetivo método de análise que funciona como uma ponte para o mundo.
Andressa Tomazini, no artigo “A importação da justiça negociada através dos acordos de colaboração premiada: o que já estava, permaneceu e o que veio, veio para ficar”, aborda a problemática da justiça negociada enquanto mecanismo que se faz hoje presente no sistema processual penal brasileiro, contextualizando os diferentes sistemas que amparam o direito a fim de responder se a colaboração premiada pode efetivamente funcionar como um novo instrumento no ordenamento jurídico pátrio.
“Segurança pública e transnacionalidade” é o texto que Eliseu Gonçalves traz à obra, no qual aborda o fenômeno da transnacionalidade em suas diferentes formas a fim de se estabelecer um liame com a segurança pública a partir dessa perspectiva, ensejando no questionamento enfrentado sobre até que ponto uma coisa acaba interferindo na outra a ponto de gerar reflexos significativos.
Paulo Incott questiona a razão da punição no âmbito internacional no texto “Punir internacionalmente para quê? Desafios para teoria da pena no âmbito internacional”, trazendo reflexões sobre o uso legítimo da sanção penal quando aplicada no cenário internacional, indagando assim sobre os motivos, se justos e legítimos, de se castigar penalmente nos tribunais internacionais, apontando que nesse cenário o que se tem é uma espécie de justificativa retórica para punir que não aquelas da doutrina penal clássica.
O último artigo presente no livro é “Acordo de não persecução penal sob a ótica da internacionalização do direito”, de autoria de Aicha Aroud e Raimundo de Albuquerque, onde os autores analisam o instituto do ‘acordo de não persecução penal’ previsto na Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público, estabelecendo-se uma análise sobre a questão ao se levar em conta a proposta da barganha face ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, observando-se assim a commolização enquanto fenômeno presente no direito pátrio.

A obra, como se percebe, discorre sobre temas que, apesar de possuírem um sólido e notório liame entre si, são também díspares ao considerar as diferentes perspectivas adotadas pelos autores. Heterogeneidade e homogeneidade são fatores que caminham juntos no livro que o leitor tem em mãos, possibilitando uma maior amplitude de análise na questão da internacionalização do direito penal, tema esse cujo debate se faz hoje mais do que necessário e não pode passar despercebido por aqueles que lidam com o Direito. Fica aqui o convite, portanto, para que os temas decorrentes do cerne da questão, aqui presentes, sejam lidos, refletidos, questionados e debatidos, avançando-se assim nas discussões de ordem prática e teórica (que não podem comportar divisão, devendo caminhar lado a lado) do fenômeno sobre o qual as devidas preocupações estão lançadas.

(Aicha Eroud e Paulo Silas Filho)
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