Polly 26/02/2023
O Retrato de Dorian Gray: sou a Suíça (#185)
[Tem leves spoilers]
Já faz alguns dias que terminei O Retrato de Dorian Gray, mas ele ainda está acontecendo em mim. Se você me perguntar se gostei, eu posso te responder “depende”. Adoro a escrita, adoro o tom gótico. Mas os personagens, as passagens de misoginia inúteis dentro do enredo, a problemática mesquinha de problemas elitistas, fazem o livro perder todos os pontos que ganha com as características boas. Acho que sou a Suíça em relação a O Retrato de Dorian Gray.
Entendo os motivos dele ter virado um clássico. Com certeza, deve ter sido um livro revolucionário para época, e olhe que li a versão censurada [inclusive preciso ver qual editora publica a original, a que tem menos capítulos, se é que existe]. Embora fale de angústias universais, Dorian e seu mundinho as aprisionam em uma realidade fútil demais, tão longe do meu próprio mundo, que por boa parte do livro, eu cheguei a conclusões obtusas e simplistas do tipo: o cara virou um psicopata só por que era bonito demais. O que não é uma mentira, mas quase não existem camadas do Dorian em minha mente, não as consegui construir. Ele é só isso: no início, é uma tábula rasa muito bonita e inocente; então, depois, ele é corrompido e levado a acreditar que o que de mais precioso ele tinha era a beleza e juventude, e valeria qualquer coisa para mantê-las.
Dorian faz coisas atrozes, que só vão piorando aos poucos. Não sente nenhum arrependimento, em nenhum momento. Remorso é uma palavra que não existe em seu dicionário. O curso do enredo nos faz crer que Dorian é um rapaz ingênuo, que é levado ao submundo dos valores morais pelo crápula Lorde Henry Wotton [ô, carinha detestável, viu?]. Mas, no futuro, ao refletir sobre sua vida, ao invés de se responsabilizar sobre suas escolhas e desejos que guiaram todos os seus terríveis atos, ele prefere culpar e punir Basil Hallward, que cometeu o único erro ter o amado [de forma idealizada, mas o amou]. Enfim, Dorian é hipócrita, fútil, influenciável e vazio. Impossível de ser amado.
Entretanto, o mais peculiar da narrativa não é a personalidade do Dorian, afinal ele tem todo o direito do mundo de ser um completo babaca. Na verdade, o interessante é ver as pessoas ao seu redor ficarem hipnotizadas, apaixonadas por ele sem que ele dê um único motivo plausível, a não ser a sua beleza e juventude. E quanto mais o tempo passa, o não envelhecimento da personagem e aprimoramento de sua podridão moral, em vez de causar medo, causa ainda mais fascínio nas pessoas que o circundam. O homem que é imune às intempéries do tempo não causa espanto, mas inveja e desejo. O lugar em que vive Dorian é tão hipócrita, fútil e vazio quanto ele.
Como todo clássico, acredito que O Retrato de Dorian Gray vale a pena ser lido. A escrita do Wilde é maravilhosa, vale só por isso. Mas, digo que, pelo menos para mim, o livro, por boas partes, me fez passar raiva, sobretudo quando Lorde Henry começa a desferir suas opiniões imundas, que quase sempre envolvem uma misoginia gratuita. O elemento fantástico da história também dá um diferencial importante, inclusive a narrativa melhora muito quando ele é introduzido. No mais, me conta o que você achou. Se quiser, é claro.