CrisVieira~ 18/08/2023Quase bom, mas...Eu demorei a decidir fazer essa resenha com minha opinião sobre o livro porque, apesar de ter um plot interessante, seu desenvolvimento teve alguns problemas.
Primeiro, a parte da linguística sofreu bastante nessa história. O cuidado com o contexto histórico foi interessante (e, às vezes, passou até do limite, mas falo disso mais para a frente), porém, com a construção da linguística deixou a desejar. Houve o uso de linguagem coloquial do século XXI(!) que nunca poderia ter sido usada no século XIX, mesmo estando perto do fim dele. Expressões como "ela é legal" ou "Mas que se dane" são típicas da nossa época, mas deveriam ter sido adequadas ao linguajar de uma professora com formação acadêmica inserida no século XIX. Por exemplo, para "legal", poderia ter usado o famoso "divertida"; e para o "que se dane!", havia o "Para o inferno!". Ambos fora de moda (para nós), mas rebuscado e adequado para uma época em que tudo era medido pela religião (mesmo o linguajar de uma acadêmica).
Mas pareceu que a autora quis tanto aproximar a história de seus leitores que decidiu que seria "bom" incluir expressões coloquiais do nosso século em uma época em que tudo "era pecado" e as expressões (até os xingamentos!) seguiam essa visão distorcida da vida.
Ou seja, a adequação histórica em um romance de época deve ser total e não apenas de acordo com o quanto se pensa em aproximar a história de quem a lerá. Porque há como se usar a forma de se exprimir do final do século XIX sem parecer entediante.
E falando sobre entediar, isso leva ao segundo problema que vi na história e que me deixou preocupada, pois a Guhrke escreve bem, mas pecou em erros que um escritor iniciante cometeria (mas, não uma veterana): inserir descrições de locais na fala dos personagens como se as pessoas conversassem assim – e em qualquer século!
Eu li uma vez que esse era um erro de principiante para escritores. Por não quererem (ou não saberem) criar trechos para descrever um ambiente, enfiavam a descrição nos diálogos. Mas isso empobrece a história pois torna artificial e incoerente as falas. E mais ainda - uma coisa que aprendi sem sequer frequentar uma escola de escrita criativa: se uma informação não faz diferença no prosseguimento da história, CORTE-A!
Então, o longo e dispensável diálogo entre o personagem masculino principal e seus filhos sobre as poltronas das Câmaras do Parlamento - que em nada influenciam na história - deveria ter sido cortado pela autora, ou, caso ela achasse interessante descrever cada detalhe (inútil para a História, exceto pela ambientação do leitor) do Parlamento, que criasse uma boa descrição à parte do diálogo.
Para além, a história perdeu seu suspense mais ou menos na metade com a descoberta do embuste e depois disso, foi apenas uma enrolação com cenas que, se cortadas, não fariam diferença para as do discurso ou do final.
Enfim, o plot era bom, mas Guhrke perdeu seu trunfo muito rápido; mostrou sua carta da sorte por - eu acho - não saber como prosseguir com ela sem parecer que estava dando ao personagem masculino principal um tom ambíguo sobre sua sexualidade. Algo que não faria diferença -- exceto para as reflexões pessoais desse personagem - caso ele realmente percebesse uma afinidade com o tutor de seus filhos. E seria interessante se Guhrke não tivesse descartado tão rápido esse ponto pois mostraria como uma amizade poderia ser construída entre um homem e uma mulher sem que a barreira do gênero atrapalhasse. E, claro, o momento quando a descoberta da farsa ocorresse, se tornaria ainda mais emblemático e interessante, pois o personagem principal masculino já teria formado laços fortes com a personagem principal feminina sem saber que ela não era um homem; e isso justificaria todas as decisões posteriores que ele tomaria pensando nela.
Mas o que poderia ter sido mais profundo... foi bem raso; e por isso, eu demorei a emitir minha opinião. É uma história simples. Um romance apenas para passar o tempo, mas mesmo com um livro assim se deveria ter mais cuidado com esses detalhes. E não que eu não tenha encontrado outros livros de outros autores com os mesmos problemas e, digamos, "descuidos", mas gosto dos plots criados pela Guhrke. Nem sempre o desenrolar deles me agrada, mas é bom ver como o romance histórico evoluiu desde Barbara Cartland e similares. E por ele - e por respeito a leitores que podem buscar saber mais sobre o século XIX, para além das informações que os autores transmitem por meio dos livros -, acredito ser válido tomar cuidado com esses três pontos e não cometer os mesmos erros de quem hoje está começando na profissão de escritor.