Brasil e Argentina

Brasil e Argentina Boris Fausto




Resenhas - Brasil e Argentina


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Antonio Luiz 16/03/2010

Desencontros de irmãos
Seja qual for o futuro imediato do Mercosul, as realidades brasileira e argentina continuam a convergir. Apesar das desconfianças, preconceitos, bairrismos e miopias, os dois países são cada vez mais semelhantes e necessitam cada vez mais um do outro.

"Brasil e Argentina: ensaio de história comparada" do historiador brasileiro Bóris Fausto e do colega argentino Fernando Devoto, abre outra linha de comunicação entre os dois países, em cujos bancos escolares raramente se pôde aprender muito mais sobre o maior vizinho do que sobre a Ásia Central.

Até recentemente, Brasil e Argentina seguiram seus cursos de costas um para o outro e de frente para o Hemisfério Norte, sem que os eventos de um país afetassem significativamente o outro. Várias vezes, seus governos e sociedades tentaram responder de formas opostas a desafios análogos.

Mesmo assim, seus caminhos foram semelhantes, cada vez mais. Sinal do quanto as condições postas pelos países centrais podem ser mais decisivas do que as tentativas da periferia de fazer sua própria história dentro de tais restrições.

Em meados do século XIX, o Brasil, sob uma monarquia que herdou a máquina administrativa colonial, tinha um governo estável e unitário, com uma burocracia experiente e um próspero comércio de produtos tropicais. A Argentina, com pouco para exportar além de couro, era uma precária confederação de improvisados caudilhos regionais, enfrentando-se em guerras civis.

Em 1862, o governo argentino foi enfim unificado sob uma constituição esquemática, mas duradoura. Mas o Estado não tinha tradição administrativa, edifícios próprios, tesouraria ou corte suprema. O código civil surgiu só em 1871 e o penal, em 1880.

Mas a Argentina começou a exportar produtos de primeira necessidade – carne e trigo – enquanto o Brasil dependia do café, relativamente supérfluo e sujeito a oscilações mais bruscas. A elite argentina, talvez por ser menos rica, organizada e sólida que a brasileira, atraiu imigrantes com recursos para comprar terras e ascender socialmente. O Brasil financiava a passagem de camponeses na penúria e tentava torná-los meros colonos nas mãos dos fazendeiros.

Salvo por uma crise nos anos 1890, o crescimento econômico e demográfico da Argentina disparou na frente do Brasil, projetando-a, até 1920, como a sociedade mais avançada e inclusiva do Hemisfério Sul.

Neste ponto, o Brasil tinha uma sociedade mal saída da escravidão e que ainda empurrava multidões de desesperados para o messianismo religioso, mas também uma administração mais experiente e um serviço diplomático competente, que lhe trouxe acordos territoriais vantajosos, inclusive com Buenos Aires.

Já a Argentina tinha uma sociedade civil mais estruturada, autônoma e rebelde, com um estado e uma elite mais frágeis e obsoletas. Estas, já em 1916, foram atropeladas pelas massas, que escolheram Hipólito Yrigoyen na primeira eleição democrática da América Latina.

Yrigoyen encabeçou uma festa popular como o Brasil só veria 87 anos depois. Mas lidou com uma crispada luta de classes à moda do século XX, enquanto conduzia uma máquina tão personalista, improvisada e oitocentista quanto a famosa carruagem na qual o povo, depois de desatrelar os cavalos, o levou à Casa Rosada.

Já no Brasil, a ideologia positivista e a autossuficiência da oligarquia consolidaram uma visão tecnocrática do Estado e consolidaram uma administração comparativamente profissional.

Em 1930, ambos os países foram castigados pela crise mundial, que serviu de pretexto a regimes autoritários, mas com nuances bem distintas: um modernizador, outro meramente tradicionalista.

A crise foi mais dura para o Brasil: outra vez, o café sofreu mais que os produtos argentinos. Por isso e pelas possibilidades de sua burocracia, o Brasil respondeu com mais eficácia. Desvalorizou a moeda, expandiu a oferta monetária, construiu infra-estrutura, criou os rudimentos de uma política industrial e de uma política social e trabalhista quase keynesianas, enquanto cooptava intelectuais de prestígio com postos na máquina estatal.

A Argentina oscilou entre regimes militares e civis conservadores eleitos por fraudes, mas manteve a ortodoxia fiscal e monetária e o peso valorizado, enquanto esperneava inutilmente por maior abertura comercial dos britânicos.

Perón, nos anos 40, chegou ao poder e imitou o autoritarismo populista de Vargas. Tardiamente, mas com mais autenticidade: ao contrário do latifundiário gaúcho, tinha raízes plebéias. Mas teve de lidar com uma sociedade mais mobilizada e polarizada, com inimigos irredutíveis, com quadros administrativos tecnicamente débeis, inexperientes e hostis ao intelectualismo.

Nos anos 50, Vargas tentou cooptação e conciliação; Perón, confronto e isolamento dos adversários. Ambos foram encurralados, mas o desfecho no Brasil foi (suicídio à parte) menos cruento. Getulismo e industrialização continuaram com Juscelino Kubitschek. Na Argentina, os militares herdaram de Perón uma situação melhor que a deixada por Vargas, mas desmantelaram suas políticas industriais para favorecer o setor agrário. A “desperonização”, que se quis radical, fracassou e só a exclusão artificial do peronismo permitiu eleger um sucessor civil.

Nos anos 60, Arturo Frondizi cedeu aos conservadores, adotou medidas econômicas ortodoxas e reprimiu o movimento sindical peronista. Jango confrontou as elites, defendeu a heterodoxia e aliou-se aos sindicatos varguistas. Ambos foram depostos por ditaduras militares, superficialmente semelhantes.

A ditadura brasileira, apesar da bagunça descrita por Elio Gaspari em seus livros, foi modelo de continuidade, competência e coerência se comparada à argentina. Interrompida pelo melancólico episódio de Perón e Isabelita, voltou com violência redobrada e sem horizonte político que não a estabilização financeira e a supressão física da oposição radical, mais ampla e organizada que a do Brasil.

Ambas as ditaduras se foram, com intervalo de poucos anos. A argentina derreteu no fiasco das Malvinas, que abriu caminho ao julgamento dos crimes militares. Evitado, no Brasil, por uma transição negociada. Depois, os caminhos seguiram cada vez mais paralelos: esperanças exageradas e planos de estabilização ambiciosos, que fracassam e são seguidos pela ilusão neoliberal com o Consenso de Washington – na Argentina mais forte, mais rígida e seguida por uma derrocada mais drástica.

Aqui surge a maior limitação da obra: a parcialidade na interpretação dos acontecimentos mais recentes.

Bóris Fausto não abstrai seus vínculos com o ex-presidente FHC e o PSDB. Dedica dezoito linhas a exaltar a privatização da Telebrás e as maravilhas do fim do mercado secundário de telefones. Não é pouco para essa obra sinóptica: a criação da Petrobrás por Vargas mereceu três linhas. Sobre o fiasco da privatização do setor elétrico e o apagão de 2001, nem um “a”. Nada sobre a fuga de capitais de 1998, que recolocou o País na dependência do FMI. A desvalorização de 1999 só é tocada no contexto dos efeitos no vizinho.

Fernando Devoto, que discute longamente os erros e escândalos da era Menem, mostra dificuldade análoga. Deixa passar em brancas nuvens o impressionante desastre político e econômico do governo seguinte. Fernando de la Rúa é citado uma só vez e de passagem, como “tíbio”.

Para uma cobertura menos enviesada desse período, pode-se sugerir "Brasil e Argentina Hoje", coletânea de Brasílio Sallum Jr.
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luke2109 29/01/2010

É um livro excelente para quem gosta, e particularmente, para quem é do ramo de história. Boris Fausto e Fernando Devoto, nos brindam com uma brilhante análise dos processos históricos pelos quais passaram Brasil e Argentina, fazendo-nos compreender, por exemplo, porque um país que era considerado de primeiro mundo nos anos 30, como a Argentina, e que também era chamado de os Estados Unidos do cone sul, trilhou um caminho tão descendente de instabilidade institucional e decadência econômica.
Aos que tem interesse em História, recomendo!!!
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