spoiler visualizarAlcinéia_az 01/08/2018
O suicídio como notícia
Arthur Dapieve relata casos de suicídio em seu livro “Morreu na Contramão”. Inicia o escrito com a música Construção de Chico Buarque. “E tropeçou no céu como se fosse um bêbado/E flutuou no ar como se fosse um pássaro/E se acabou no chão feito um pacote flácido/Agonizou no meio do passeio público/Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego.”
Dapieve é um jornalista e critica a forma como o suicídio é noticiado, afirmando que cada notícia, que trata desse tema, realça mais o que não foi dito, se destacando pelo mistério que paira no ar em cada caso de suicídio, sobrelevando o que fica nas entrelinhas. O autor chega a dizer que dessa forma o noticiário nega o túmulo ao morto, também ressalta que não há motivo para não noticiar um suicídio, pois a imprensa divulga fatos muito mais violentos, agressivos e potencialmente mais destrutivos para a moral da sociedade. Assim sendo, desconfia que o silêncio em torno do suicídio seja mais religioso que contagioso.
O autor relata no decorrer do livro vários casos de suicídio, incluindo de um casal que suicidaram juntos, mas antes tiveram o cuidado de colocar um lençol dependurado entre ambos, para que não presenciassem a torturante visão de agonia do outro durante o enforcamento. Também relata o grande número de suicídios acontecidos na ponte Golden Gate. O Portão Dourado não é somente um dos mais belos cartões postais dos EUA, mas também um dos principais lugares escolhidos para se cometer suicídio. Em 2005 a contagem ultrapassava 1200 suicidas, e passou a adicionar um a cada semana. O intrigante é que mesmo com esses números alarmantes, houve uma demora de muitos anos para se instalar uma rede de proteção na ponte, pois os opositores do projeto alegavam que a rede iria estragar a estética da obra. Ao saber de tais fatos, não é difícil concluir que o suicídio aponta pra um problema maior, uma sociedade que valoriza mais a estética que a vida. O suicídio seria mais um sintoma de uma sociedade doente?
Dapieve acredita que o suicídio é uma questão perturbadora demais, perpassando por um julgamento se a vida merece ou não ser vivida. O pior é que não basta somente responder a essa questão fundamental da filosofia, mas ter de admitir que, para um número considerável de pessoas, a resposta é não.