@livreirofabio 21/07/2012Heaven Knows I'm Miserable NowQuando li um resumo sobre o que tratava esse romance, o primeiro de Caio Fernando Abreu, a constatação foi: leia antes de completar 20 anos. O protagonista tem 19 anos e conhecendo o mínimo da obra de Caio, você vai acabar sendo desvendado - completamente. Pois bem, foi o que aconteceu.
Como já citado, Maurício é um rapaz de 19 anos, cheio de dúvidas, inquietações e muito só. Clichê? Reclamão? Chato? Não, porque é genuíno. A estrutura do romance tem como base o diário do personagem entrelaçado com flashbacks que vão da sua infância até a sua idade atual. Há muita influência de Clarice Lispector, "sintomas" que não passam despercebidos pra quem conhece Lispector e/ou ao menos leu Perto do Coração Selvagem. Essa referência e inspiração extraída de uma grande escritora pode ter afetado Caio no início de sua carreira, aos 20 anos com esse livro, mas não prejudicou a obra - pelo menos não na edição revisada pelo próprio autor. Há também toques que lembram as circunstâncias do suicídio de Virginia Woolf, ao menos me lembrou, considerando o fato de Caio F ser também um grande fã dessa mulher incrível.
As pequenas epifanias já estão presentes e são sutis, variando da descoberta de uma noite só - a descoberta do sexo. O sonho que leva a primeira ejaculação é extremamente lúdico e simbolista, uma viagem e muitos fatores e situações que o fazem chegar a sua primeira maturidade sexual. Tudo é dito da forma direta mas não vulgar de Caio e de toda obra de arte que trata disso, não há porque se envergonhar de algo natural - frase que permeia muito bem todos os escritos de Caio F. Mas essa revelação e essa puberdade, apesar de serem fatos importantes não batem a ideia e a constatação da solidão. Solidão enraizada na alma e personalidade de Maurício. É um sentimento pesado, um pensamento vagaroso, um questionamento sem resposta; tudo isso é como um achado pra quem se identifica com essa descrença, com o personagem perdido tentando encontrar sua própria cara. Há o contexto histórico envolvido nisso - o dito anos 60 pré-hippie, importante pra situar toda a incredulidade da estória, mas toda essa solidão e essas indagações vagam entre pessoas hoje, assim como ontem e também amanhã, independente de haver ou não um sonho de revolução promissor.
Why do I give valuable time
To people who don't care
If I live or die?
Esse fim de adolescência é doloroso, a inadequação é dolorosa assim como esse caminho até a vida adulta definitiva. Toda essas perguntas não são problema pra quem não se atreve a refletir e prefere seguir junto com os outros bois. Quem para e olha ao redor, sofre e muito. Tudo isso é óbvio, mas a identificação com um livro que trate sobre isso é como um alívio, como um sopro de esperança e alimenta de forma farta o amor pela literatura de quem a tem como refúgio e companhia. Maurícios nesse momento estão por aí desabafando em diários, rede sociais, ouvindo aquela música que foi composta com a caneta do compositor apertada em seu peito. Eles procuram por identificação e mais do que isso: eles procuram o direito da solidão, o conforto de ser só, de apenas observarem e de indagar a si mesmos e de certa forma julgar, sim, os outros: os extrovertidos, os felizes, o que vivem em festa e empolgação: claro, muito fingimento.
Espero que hajam indagações sempre, doloridas talvez, mas incessantes.