spoiler visualizarCamila 05/12/2020
Impressionante!!
[SPOILERS]
Não acredito que quase doei esse livro sem ler!!!
Peguei esse livro da biblioteca pessoal da minha avó anos atrás, junto com vários outros que acabei nunca lendo, e anos depois, relendo as sinopses, vi que não tinha tanto interesse assim por eles (a maioria de romances, assassinatos, policiais, etc).
No começo do ano quando fiz marie kondo nas minhas coisas, acabei botando todos eles pra doar. Com a pandemia, eles acabaram encaixotados aqui em casa por vários meses e só agora, em novembro, eu reabri a caixa pra decidir a quem ia doar o que. E acabei lendo a primeira página dele só por curiosidade.
Fiquei fisgada na hora!! A enorme lista de como a Paris do século XVIII cheirava a merda, bosta de rato, suor, mijo, cadáver, peixe podre, queijo azedo e várias outras coisas de fedor "dificilmente concebível por nós hoje" me deixou empolgadíssima pra continuar a história do jeito mais estranho que eu já senti com um livro. E não me arrependi.
O livro é quase uma fantasia sombria, pelos poderes sobre-humanos que Grenouille (lê-se guênôuíl segundo o google) mostra, desde o seu nascimento. Nascido com uma deficiência bem incomum: não tinha cheiro algum. E, ironicamente, podia cheirar tudo. Tudo mesmo. E quem conhece e domina os cheiros tem um poder absurdo sobre as pessoas.
Passando por uma infância conturbada de abandono, indiferença, isolamento e trabalho pesado, ele aprendeu a se cuidar sozinho e se refugiar no seu mundo interno com o que ele mais amava: os cheiros. Colecionando, catalogando, combinando, criando, tudo em sua mente e nada mais importava. Ate que acha um cheiro perfeito. E começa sua grande escalada ao mundo perfumista, assim como sua breve, mas determinada, vida de assassino.
Por várias vezes a história tomou um rumo totalmente inesperado, entre as melhores quando ele decide DO NADA ser um eremita numa caverna por 7 anos, porque descobriu que odeia o cheiro humano. Também a absurda Teoria do Fluido Letal me fez rir de nervoso imaginando que não é muito diferente do quão longe alguns grupos *cof* terraplanistas *cof* iriam pra provar suas teorias. O surubão da cidade inteira em praça pública com certeza entra pro meu arsenal de imagens literárias perturbadoras.
Mas acho que o que mais me encantou mesmo foi as descrições do mundo dos cheiros. De aromas (bons ou ruins), de ingredientes, de métodos de obtenção de essências, de fabricação de produtos aromáticos, do seu efeito nas pessoas. Logo eu que tenho um olfato péssimo e fico triste com isso. Foi um mundo da imaginação especial considerando esse sentido, que em mim é bem fraco, e é incrivelmente explorado no livro.
Outra coisa que amei foi a caracterização dos personagens e seus desenvolvimentos. Não amei os personagens. Mas também não os odiei. Eles estavam la e levavam suas vidas com mesquinharia ou esperteza ou justiça ou brutalidade, e isso é muito bem apresentado. E várias vezes, quando as histórias de Grenouille e outro se separavam, o autor saiu de seu caminho para descrever o futuro e dar fechamento a seus personagens.
Até Grenouille, com sua mente solitária e perturbada, teve um desenvolvimento complexo, cheio de camadas, e não um simples assassino cruel que mata por matar como eu achei que seria. Seus momentos (e pensamentos) são bem marcantes, até seu último e bizarro momento.
O livro foi publicado originalmente em folhetins semanais, em 1985, tendo capítulos curtinhos ótimos pra leitura. O fato do autor, Süskind, ser bem retraído da mídia, recusar entrevistas, fotos, entrega de prêmios, nem ao menos se saber em que cidade ele mora, contribui ainda mais pro ar de mistério em torno do livro.
No fim eu fico muito feliz de ter lido essa primeira página antes de me desfazer dele, que agora vai ter um lugarzinho na minha futura estante.