Amanda 04/08/2021
Ela deu oito facadas no senhor e o senhor voltou com ela?
É porque eu sou trouxa, né senhor.
Já li alguns dark romances por minha vasta, ou não tão vasta assim, vida literária, e aos poucos descubro que eu não tenho problema com o 'dark', eu tenho problema com o 'romance', porque quase sempre erram a mão na abordagem dos temas e isso vai me incomodando, vai virando uma bola de neve e quando vejo tô surtando.
Sabe aquela história de "bom policial, mau policial"? Aqui temos o bom bandido e o mau bandido. A autora diz na abertura do livro que é "uma construção de enredo, que não é romantizado" e "não há romantização sobre tráfico de drogas" e me cria um traficante poeta, um traficante que tem dó dos clientes, um traficante que mente para que os outros pensem que ele é malvadão, um traficante rico que ajuda todo mundo, um traficante apaixonado e bom de cama... Gente.
Não dá vontade de encontrar um traficante assim?
Pois é.
Romantizou.
Infelizmente nada se sustenta nesse livro.
O enredo é desencadeado pela vingança da Max contra o cara que *spoiler* literalmente salvou a vida do irmão dela *fim do spoiler*, mas ele se nega a dizer isso porque... Por quê? Não sei! Ele preferiu deixar a Max acreditar o contrário durante 60% do livro, sendo que não tinha bicho de sete cabeças algum nesse mistério, era só falar a verdade.
E falando em desencadeamento de enredo, Carter, quem? Ele merecia ser vingado? Não sei. Ele era um bom irmão atualmente? Não sei. Por que ele estava se drogando? Não sei. Por que ele traiu a fraternidade? Não sei. Como está o tratamento de recuperação dele? Não sei.
Pois é.
Temos erros básicos de continuidade, contexto e ambientação. Básicos! Chega a dar coceira a forma que foram apresentados e conduzidos durante a história. Quer fazer a história nos Estados Unidos? Faz, mas pesquisa um pouco, né. A mesma crítica vale para temas usados dentro da história apenas para desencadear reações dos personagens, enquanto o tema em si era esquecido e não finalizado ou debatido da forma correta. Quer usar temas pesados no seu livro? Usa, mas não banaliza.
Não há punição para as ações de ninguém, *spoiler* o traficante (que a autora jura que não é romantizado) se dá bem no final. Churrasco também para o policial corrupto, para os espacandores do irmão da protagonista, pais abusadores, padrastos abusadores... Chopp e festa para traição de amigos, para a armação da ex... *fim do spoiler* Não há consequência alguma. É traição atrás de traição e ninguém faz nada. Cadê o amor próprio desse povo?
No meio do livro, a autora passa uma lição de moral para as mulheres pararem com rivalidade feminina e deixarem de se odiar por causa de homem e o que ela faz? Plot de rivalidade feminina! Do fundo do meu coração, NÃO ENTENDI. Personagens imaturas, ciumentas e birrentas, com constantes ataques de ciúme e atitudes duras que geram arrependimento no parágrafo seguinte. Não somos melhor que isso?
Odeio livros que ficam enganando o leitor com o simples objetivo de enganar. A história é apresentada, tem um mistério ou segredo para ser desvendado, aí desvendam. OK! Aí era mentira, aí há uma reviravolta e descobrem o real mistério, mas não... Era mentira também. Aí quando vão descobrir de novo, você nem tá mais a fim de descobrir ou se engajar com a descoberta porque pode ser mentira de novo e o choque da revelação nem impressiona mais, porque esse artifício foi desgastado atoa.
O livro poderia ser mais curto. Não digo isso pela minha vontade dele ser mais curto, mas porque a quantidade de páginas não se justifica. Muitos trechos são repetitivos, eles passando por situações iguais para enfatizar sentimentos que nós já sabíamos que sentiam, porque literalmente tinham falado isso duas páginas atrás. Senti em diversos momentos as ações e reações sendo convenientes. Se a autora ainda não estava pronta para deixar os protagonistas ficarem juntos, eles simplesmente se odiavam e brigavam, se a autora decidia que já era hora dos dois se pegarem, eles mudavam um com o outro, mesmo que o roteiro continuasse o mesmo. Aí fica difícil defender.
A premissa básica de tudo que acontece parece ser a pena. A autora tenta justificar tudo de ruim, incitando um sentimento de pena no leitor. *Spoilers a seguir*
- A traição da Max > aah mas coitada, mentiram pra ela, olha como ela está acabada e arrependida, bebe todo dia, não vai mais pra aula...
- A traição da Maya > aah mas coitada, ela tá com câncer, vai morrer a pobrezinha, não vamos ser tão duros com ela. A vida é tão curta
- O Cody fazer parte da gangue que espancou o irmão da Max > aah mas coitado, ele se recusou na hora e não quis bater nele, só bateu porque foi ameaçado com uma arma
- A Beatrice ser a Beatrice, a amiga que aparece e some e só serviu de arco de ciúme para a história 'andar' > aah mas coitada, olha que passado sofrido e família de merda que ela tem
- O Michel ser um policial corrupto > aah mas coitado, ele fez pelo irmão, porque o ama e quer protegê-lo, eles são tão ligados, ele é bom por dentro, tirou o irmão de casa e criou o Chace
- A traição do Richard > aah mas coitado, se perdeu no caminho o pobre do menino, e ele tentou consertar, passou a informação do Chace pra Max
- ... *fim do spoiler*
A parte boa é a escrita da Tay Ferreira, me surpreendeu até, ela desenvolve um bom ritmo nos diálogos, mas deixa a desejar um pouquinho na narração com uma linguagem prolixa. Se ela afiar esse detalhe na escrita dela, ela vai longe. Faltou uma revisão ou leitura crítica mais apurada, já que alguns furos passaram despercebidos.
Pelo bem de todos nós, não escrevam dark romance com personagens emocionalmente fracos ou com tendência da fraqueza ser potencializada pela burrice.
Paz.